Mino Carta no Roda Viva
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Mino Carta no Roda Viva

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Houve um tempo que revistas brasileiras como Veja eram mais imparciais e havia um jornalismo mais apurado com pautas com menos viƩs. Em plen...

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Houve um tempo que revistas brasileiras como Veja eram mais imparciais e havia um jornalismo mais apurado com pautas com menos viĆ©s. Em plena censura do regime militar, Mino Carta mostrava como os veĆ­culos da imprensa deveriam se portar na sagrada missĆ£o de informar e conquistar credibilidade.


Hoje podemos constatar, graƧas ao PlusD do Wikileaks, como o Ć­talo-brasileiro Mino Carta combatia a censura imposta pelo Estado (Veja EUA fizeram lobby prĆ³-censura durante governo militar).


Entrevista de Mino Carta a JĆ“ Soares em 1988 (parte 1/2)


ObituĆ”rio feito pela revista Forbes a Roberto Civita aponta a revista Veja como uma das publicaƧƵes mais odiadas do Brasil, em razĆ£o da opĆ§Ć£o editorial pela direita e de sua oposiĆ§Ć£o clara ao governo do Partido dos Trabalhadores.
[Fonte: Brasil 247]


Entrevista de Mino Carta a JĆ“ Soares em 1988 (parte 2/2)

E com essa mesma espiada no retrovisor vemos o quanto a revista Veja inclinou-se Ć  direita do espectro polĆ­tico nacional apĆ³s sua saĆ­da da direĆ§Ć£o do periĆ³dico, conforme atesta artigo da Forbes sobre a morte de Roberto Civita (BilionĆ”rio Roberto Civita, BarĆ£o da MĆ­dia Brasileira, Morre aos 76, em inglĆŖs). Nessa entrevista ao Roda Viva, Carta mostra um pouco de seu pensamento e de sua verve jornalĆ­stica.


Trecho da entrevista ao Roda Viva da TV Cultura em 04/12/2000. [Fonte: MemĆ³ria Roda viva - Fapesp]

Paulo Markun: Boa noite. Influenciado pela famĆ­lia nas artes, ele comeƧou na pintura, mas acabou seduzido pelo jornalismo. Nos Ćŗltimos cinqĆ¼enta anos, criou e dirigiu publicaƧƵes importantes, escrevendo parte da histĆ³ria polĆ­tica e da histĆ³ria da imprensa no Brasil. Mino Carta, pintor, jornalista e escritor Ć© o convidado do Roda Vida esta noite.

[Comentarista]: "De fato, sobre dia e mĆŖs do meu nascimento existem controvĆ©rsias, nada que mexa com o mundo, estĆ” claro, mas quanto basta para criar alguma confusĆ£o entre os mais chegados e me livrar das festas de aniversĆ”rio. Meu pai era professor de histĆ³ria da arte, minha mĆ£e se dedicava aos afazeres da casa com um pronunciado talento para cozinha, alegando vocaĆ§Ć£o dramĆ”tica nĆ£o realizada por obra do descaso do marido, a quem se esmerou em redarguir vida adentro por falta de compreensĆ£o e incentivo. Quanto a mim, sou autoditada em tudo e por tudo. E virei jornalista" [narraĆ§Ć£o de trecho do romance O castelo de Ć¢mbar]. No esboƧo de capĆ­tulo das memĆ³rias, Mino Carta descreve uma lembranƧa de infĆ¢ncia que pertence tanto a ele prĆ³prio quanto ao personagem narrador de seu primeiro romance, O castelo de Ć¢mbar [Mino Carta lanƧou em 2003 seu segundo romance, que dĆ” continuidade ao primeiro, intitulado A sombra do silĆŖncio]. TambĆ©m sem data certa de nascimento, setembro de 33 ou fevereiro de 34, Mino Carta Ć© de GĆŖnova, na ItĆ”lia. Chegou ao Brasil em 1946, aos 13 anos de idade. Em 1950, dividido entre os pincĆ©is e a mĆ”quina de escrever, acabou escolhendo jornalismo, mas sem abandonar a pintura. Nos cinqĆ¼enta anos que se seguiram, ele criou e dirigiu revistas como Quatro Rodas [1960], Veja [1968-1976], Senhor [1982-1988], IstoƉ [fundou e dirigiu a revista de 1976 a 1981 e foi diretor de redaĆ§Ć£o entre 1988 a 1993, quando saiu para lanƧar Carta Capital], Jornal da Tarde [1966-1968], Carta Capital e dessa experiĆŖncia construiu uma visĆ£o crĆ­tica da polĆ­tica brasileira e da atuaĆ§Ć£o da imprensa na polĆ­tica brasileira que, agora, ele coloca nĀ“O castelo de Ć¢mbar. O romance Ć© baseado em fatos reais e os personagens sĆ£o tratados com pseudĆ“nimos, mas a sĆ”tira e fina ironia do texto oferecem os elementos que ajudam a desvendar polĆ­ticos, presidentes, jornalistas, personagens reais da recente histĆ³ria polĆ­tica do Brasil, uma histĆ³ria que se mistura Ć  prĆ³pria histĆ³ria profissional desse jornalista, pintor e agora escritor.

Paulo Markun: Para entrevistar Mino Carta, nĆ³s convidamos Dora Kramer, colunista de polĆ­tica do Jornal do Brasil; Ziraldo, diretor da revista Bundas; Paulo Henrique Amorim, do programa Conversa Afiada, aqui da TV Cultura; Reinaldo Azevedo, jornalista do site Primeira Leitura e da revista RepĆŗblica. NĆ³s convidamos tambĆ©m o nosso caro TĆ£o Gomes Pinto, diretor de redaĆ§Ć£o de revista Imprensa. [Programa transmitido ao vivo, que permitiu a participaĆ§Ć£o dos telespectadores por telefone, fax e internet] Boa noite, Mino Carta.

Mino Carta: Boa noite, Markun.

Paulo Markun: Vou comeƧar pelo seu livro, na repercussĆ£o que ele teve, pelo fato de citar pessoas aparentemente reais na parte, digamos, memorialĆ­stica, supostamente memorialĆ­stica de um personagem fictĆ­cio, e por tratar num conto supostamente fictĆ­cio de pessoas mencionadas com seus nomes reais, vocĆŖ acha que isso de alguma forma embaƧou a avaliaĆ§Ć£o do produto do seu trabalho efetivamente? Porque fala-se muito mais disso do que efetivamente da histĆ³ria em si e do romance em si.

Mino Carta: Bem, eu acho que talvez seja normal que a repercussĆ£o comece por aĆ­, se repercussĆ£o hĆ”. Mas, de certo, eu creio que o que interessa mesmo Ć© a histĆ³ria no seu conjunto. E, para tanto, a escrevi [sorrindo]. Que os leitores julguem, naturalmente.

Paulo Markun: E por que vocĆŖ, digamos assim, que tem Ć  tua disposiĆ§Ć£o a publicaĆ§Ć£o que vocĆŖ faz, a Carta Capital, combativa e disponĆ­vel, se lanƧou a escrever alguma coisa que tem um lado de romance, mas tem um lado tambĆ©m de fatos reais, nesse formato de livro, de romance?

Mino Carta: Bem, talvez estivesse trafegando hĆ” tempo entre o fĆ­gado e a alma essa vontade de escrever algo a respeito da minha existĆŖncia, mas profissional, naturalmente. Mas nĆ£o me senti Ć  vontade para escrever memĆ³rias.

Paulo Markun: Por quĆŖ?

Mino Carta: Porque nĆ£o me julgo Ć  altura das memĆ³rias, acho que memĆ³rias cabem a pessoas muito importantes e eu nĆ£o acredito ser tĆ£o importante assim. EntĆ£o, eu optei por uma soluĆ§Ć£o que, segundo Nirlando BeirĆ£o [jornalista e escritor, autor do livro Rio/Sao: doze visƵes de duas cidades maravilhosas], que Ć© uma pessoa muito amiga e muito generosa, foi um recurso para conferir Ć s personagens um aplomb [seguranƧa] que na realidade eles nĆ£o tĆŖm. Eu gostaria de poder responder assim, mas na realidade nĆ£o Ć©, nĆ£o Ć©. Eu achei que a histĆ³ria poderia valer por si, e a parte, digamos assim, que envolve os jornalistas e tambĆ©m os polĆ­ticos... no fundo interessa mais aos polĆ­ticos e aos jornalistas do que aos leitores em geral.

Paulo Markun: Quer dizer, em outras palavras, Ć© algo como se a gente pudesse ter duas leituras do livro? NĆ³s aqui, que de alguma forma temos curiosidade de identificar se fulano Ć© fulano e sicrano Ć© sicrano, lemos assim. E hĆ” uma outra possibilidade de leitura, que seria da histĆ³ria pura e simplesmente?

Mino Carta: Eu acho... pelo menos eu gostaria muito que fosse assim. Agora, devo te confessar Markun, que houve algo nessa histĆ³ria toda que me surpreendeu de alguma maneira, que foi... li nos jornais que 31 pessoas convidadas para este programa acharam por bem nĆ£o comparecer, quer dizer, se recusaram ao convite. Eu tenho atĆ© certeza que muitas delas tinham Ć³timos motivos, outros compromissos: encontro com a namorada, dor de dente, torceram o pĆ©; enfim, bons motivos. Mas acredito que alguns entre eles ficaram realmente constrangidos, ou porque tĆŖm simpatias com as minhas idĆ©ias, mas nĆ£o podem dizer, deixar claro essa simpatia, porque senĆ£o o patrĆ£o ficaria chateado, nĆ£o Ć©?, ficaria agastado, ou porque realmente temem um debate. Agora, nĆ£o sei porquĆŖ me parece que eles agem como a confirmar um certo teorema que no fundo estĆ” implĆ­cito no livro e que, evidentemente, nĆ£o envolve todos os jornalistas, mas envolve muitos, evidentemente. Tanto que 31... parece que Ć© o recorde aqui de recusas.

Paulo Markun: Consta.

Mino Carta: Consegui superar nisso o AntĆ“nio Carlos MagalhĆ£es. Mas eu acho importante dizer o seguinte, que... veja, eles confirmam a convicĆ§Ć£o de que nada como o silĆŖncio para que as coisas possam ser encaradas como se nĆ£o tivessem acontecido. Tanto que, vocĆŖ veja, meu livro nĆ£o teve repercussĆ£o alguma - pelo menos por enquanto - nos Ć³rgĆ£os da chamada grande imprensa, excluĆ­do o Jornal do Brasil, que foi atĆ© generosĆ­ssimo comigo. Agora, Ć© estranho esse conceito desenvolvido por jornalistas, nĆ£o Ć©?

Reinaldo Azevedo: Mino... [ao fundo]

Mino Carta: O silĆŖncio para matar a repercussĆ£o, nĆ£o Ć©?

Reinaldo Azevedo: Mino... [ao fundo]

Mino Carta: Deixa eu sĆ³ concluir isso, porque Ć© uma coisa que eu queria realmente dizer. Agora, veja, os fatos estĆ£o aĆ­, nĆ£o Ć©? Hannah Arendt [(1906-1975) filĆ³sofa alemĆ£ de origem judia e influenciada pelo marxismo. Autora, entre outros, de A condiĆ§Ć£o humana] dizia que quando eles nĆ£o sĆ£o relatados, vĆ£o ao fundo do mar e nunca mais serĆ£o recuperados. Mas talvez nĆ£o seja o caso, porque o meu livro teve uma tiragem inicial de dez mil exemplares e estĆ” esgotado em menos de um mĆŖs. EntĆ£o, o fato existe, por quĆŖ nĆ£o discutĆ­-lo? Vai ver atĆ© para baixar uma lenha firme, nĆ£o Ć©? [Risos]

Reinaldo Azevedo: Mino, vamos entĆ£o debater um pouquinho...

Mino Carta: Vamos.

Reinaldo Azevedo: ...Se a minha questĆ£o nĆ£o for muito tosca, vamos lĆ”. A revista RepĆŗblica deu uma entrevista com vocĆŖ em novembro, vocĆŖ foi capa da revista.

Mino Carta: Sim.

Reinaldo Azevedo: Num tratamento que me parece, nĆ£o vou dizer generoso porque vocĆŖ merece, acho que Ć  altura do seu talento.

Mino Carta: NĆ£o, generoso.

Reinaldo Azevedo: Agora, nessa entrevista vocĆŖ chama o diretor de redaĆ§Ć£o da Folha, o Otavio Frias Filho, vocĆŖ diz lĆ” num dado momento: "Otavinho Ć© uma besta, um ser subdoloso" [lendo o trecho em um exemplar que trouxera consigo]. Do Roberto Civita [presidente do Grupo Abril, uma das companhias mais influentes de comunicaĆ§Ć£o da AmĆ©rica Latina, filho do italiano Victor Civita, fundador da editora Abril], vocĆŖ diz que ele Ć© um pilantra. E fala de outras personagens tambĆ©m, do Lula, etc. Agora, eu te diria muito tecnicamente, sem entrar no mĆ©rito se um Ć© besta e o outro Ć© pilantra, de todas as crĆ­ticas que vocĆŖ fez, as duas, ou que poderiam enquadrar a revista, inclusive na Lei de Imprensa vigente - pode nĆ£o ser a melhor, mas Ć© que a temos - ... e se vier outra, eu acho que pilantra e besta continuam passĆ­veis de processo, pelo menos, pelo qual o diretor de redaĆ§Ć£o [o prĆ³prio Azevedo] responderĆ” solidariamente, como vocĆŖ bem sabe. E a revista fez aquilo que me parece Ć³bvio, que foi ouvir as duas pessoas, dizendo assim: "Olha, o senhor Mino Carta deu uma entrevista aqui e disse que vocĆŖ Ć© besta e subdoloso e disse que o senhor Ć© um pilantra". As duas pessoas responderam a sua maneira. Um deles, o Roberto, disse que vocĆŖ estĆ” com memĆ³ria fraca ou coisa parecida... [sendo interrompido]

Ziraldo: Mas isso nĆ£o Ć© usual nĆ£o, nĆ£o Ć©?

Reinaldo Azevedo: NĆ£o, nĆ£o. Infelizmente nĆ£o. Ouvir o outro lado nĆ£o Ć©.

Ziraldo: Isso nĆ£o Ć© usual. O TĆ£o Gomes Pinto poderia ter feito isso comigo e nĆ£o fez.

[...]: Claro, claro, poderia fazer...

Ziraldo: E vocĆŖs fizeram. EntĆ£o, nĆ£o estĆ” certo isso aĆ­ nĆ£o, porque nĆ£o tem nada que contar antes do Mino publicar. Achei horrĆ­vel isso aĆ­! [Risos ao fundo]

[...]: [Risos] Falou, falou. EstĆ” falado. Eu tambĆ©m nĆ£o gostei!

Reinaldo Azevedo: Eu pediria... Eu sĆ³ queria assegurar meu direito de terminar uma pergunta, pelo menos...

Ziraldo: NĆ£o, com certeza.

Reinaldo Azevedo: Porque senĆ£o cai numa puta confusĆ£o que nĆ£o resolve nada.

Ziraldo: NĆ£o, mas eu estou...

Reinaldo Azevedo: NĆ£o, a gente atĆ© pode debater depois, mas deixa eu fazer a pergunta. Muito bem, as duas pessoas responderam, esta resposta estĆ” na introduĆ§Ć£o da entrevista e depois vocĆŖ segue falando aquilo que vocĆŖ tĆ£o brilhantemente bem fala sobre todas as coisas, sobre tudo. Bom, no editorial da sua revista, Carta Capital, da revista que vocĆŖ dirige, vocĆŖ dĆ” uma desancada na revista RepĆŗblica dizendo que ela inovou no procedimento ao ouvir as pessoas atacadas. Primeiro que nĆ£o inovou, porque as revistas estĆ£o cheias disso, de a pessoa atacada vai e responde... O que me parece Ć© que vocĆŖ deu uma de Groucho Marx [(1890-1977) comediante estadunidense] quer dizer, hĆ” um silĆŖncio notĆ³rio e gritante sobre o seu livro e a revista que aceita nĆ£o te convidar para ser sĆ³cio [Frase famosa de Groucho Marx: "NĆ£o quero pertencer a nenhum clube que me aceite como sĆ³cio"], mas que de algum modo pretende fazer par, ainda que menor, ao seu brilho, ao seu talento, vocĆŖ desanca a revista. O que parece Ć© que vocĆŖ assim... escolheu o papel da vĆ­tima triunfante. Eu nunca vi uma vĆ­tima tĆ£o triunfante![Carta comeƧa a rir] Quer dizer, vocĆŖ Ć© brilhante, reconhecidamente brilhante, diz nesta entrevista que sempre fez tudo o que quis nas redaƧƵes, nos jornais e nas revistas, e lhe sobra ainda o lugar da vĆ­tima [Carta ri novamente], o que Ć© muito confortĆ”vel, porque uma vĆ­tima brilhante como vocĆŖ, ora, quem Ć© que se atreve a ser o seu algoz? NinguĆ©m.

Mino Carta: Eu agradeƧo todos os seus elogios, achei fantƔstico, fiquei enaltecido com eles, mas...

Reinaldo Azevedo: NĆ£o, nĆ£o, outros melhores jĆ” o fizeram.

Mino Carta: NĆ£o, nĆ£o, eu nĆ£o sei. Eu declaro, jĆ” ouvi elogios, mas ouvi mais crĆ­ticas do que elogios. Mas, de qualquer maneira, Ć© a primeira vez da minha histĆ³ria de jornalista que eu leio uma entrevista na qual pessoas que foram eventualmente criticadas e atĆ© muito asperamente criticadas pelo entrevistado sĆ£o ouvidas concomitantemente. Este Ć© o ponto. Eu acho que eles tinham direito de resposta, sim, claro, numa repercussĆ£o procurada atĆ© pela prĆ³pria revista, mas nĆ£o publicadas as respostas deles na prĆ³pria entrevista, juntamente com a prĆ³pria entrevista.

Reinaldo Azevedo: VocĆŖ acha que isso Ć© mau jornalismo?

Mino Carta: Eu acho.

Paulo Henrique Amorim: NĆ£o Ć© um perfil, nĆ£o Ć©? NĆ£o Ć© um perfil.

Mino Carta: Ɖ, nĆ£o Ć© um perfil!

Paulo Henrique Amorim: Para dar o direito de resposta da mesma ediĆ§Ć£o tinha que dar a ele o direito de trĆ©plica na mesma ediĆ§Ć£o.

Mino Carta: Ɖ claro.

Reinaldo Azevedo: Bom, mas aĆ­ inicia-se um debate que nĆ£o acaba nunca.

Paulo Henrique Amorim: Claro, Ć© evidente.

Mino Carta: Mas aƭ Ʃ inescapƔvel, aƭ Ʃ inescapƔvel ao meu ver, desculpe hein.

Reinaldo Azevedo: NĆ£o, nĆ£o.

Mino Carta: Agora, eu nĆ£o desanquei...

Reinaldo Azevedo: Na verdade, eu estou sendo surpreendido tambĆ©m, atĆ© pela posiĆ§Ć£o do Paulo Henrique.

Mino Carta: NĆ£o, nĆ£o, veja...

Paulo Henrique Amorim: Veja, nĆ£o era um perfil, era uma entrevista. Era uma entrevista. Eu acho que, tecnicamente, a discussĆ£o Ć© a seguinte: numa entrevista, o direito de resposta sucede Ć  publicaĆ§Ć£o da revista. Isso nĆ£o era um perfil.

Reinaldo Azevedo: Desculpe, hĆ” um desconhecimento tĆ©cnico agora. Eu nĆ£o quero chatear o programa, mas hĆ” um desconhecimento tĆ©cnico, porque diz a Lei de Imprensa: se eu tenho uma pessoa... porque isto Ć© claramente classificĆ”vel como injĆŗria - se tiver algum advogado presente que diga -, isto Ć© injĆŗria. VocĆŖ desqualificar a posiĆ§Ć£o de alguĆ©m e dizer que ele estĆ” errado Ć© uma coisa; vocĆŖ chamĆ”-lo de besta Ć© outra coisa, ora! Ou de pilantra!

Paulo Henrique Amorim: O problema Ć© se numa entrevista cabe o direito de resposta na mesma ediĆ§Ć£o da entrevista.

Mino Carta: Ɖ, Ć© este o ponto. Mas de qualquer maneira, desculpe, eu nĆ£o desanquei a revista RepĆŗblica, eu achei o seu verbo exagerado. Absolutamente... [sendo interrompido]

Reinaldo Azevedo: NĆ£o... "A revista Ć© o exemplo de que os patrƵes..." Como Ć©? [tentando localizar o trecho do texto que Carta publicou em sua revista em resposta Ć  revista RepĆŗblica] Diz lĆ”: "... tĆŖm sido marrecos dos empresĆ”rios da mĆ­dia". Se fosse PitĆ”goras diria que o seu teorema de que...

Mino Carta: Isso nĆ£o Ć© desancar.

Reinaldo Azevedo: Olha Mino, considerando o que vocĆŖ pensa dos patrƵes, Ć©.

Mino Carta: Hein?

Reinaldo Azevedo: Considerando o que vocĆŖ pensa habitualmente dos patrƵes e diz nesta revista, inclusive, colocĆ”-la como uma revista que puxa o saco dos patrƵes Ć© desancar.

Mino Carta: NĆ£o, no caso eu acho que... [Azevedo faz um breve comentĆ”rio ininteligĆ­vel] Eu acho que houve uma preocupaĆ§Ć£o... estranhamente foram ouvidos os empresĆ”rios da comunicaĆ§Ć£o e nĆ£o Lula, [Orestes] QuĆ©rcia, outros que tinham sido citados na entrevista.

Paulo Markun: Mino, eu queria pedir, antes da gente continuar a entrevista, queria registrar a chegada da Maria Bonomi, artista plĆ”stica, que era nossa convidada, jĆ” que se mencionou o fato de que vĆ”rias pessoas nĆ£o puderam participar. Maria Bonomi pode participar, chegou um pouquinho atrasada, mas estĆ” aĆ­. Queria fazer um apelo - que eu acho que nĆ£o Ć© para fugir da discussĆ£o, acho Ć³timo quando o programa esquenta e vira uma polĆŖmica - mas Ć© apenas para lembrarmos que estamos falando para uma audiĆŖncia enorme e que essa questĆ£o jornalĆ­stica Ć© pertinente, sem dĆŗvida nenhuma, mas nĆ£o Ć© a Ćŗnica questĆ£o a ser discutida, porque todos nĆ³s aqui que somos jornalistas gostarĆ­amos tambĆ©m de opinar e discutir, poderĆ­amos estabelecer um amplo debate atĆ© sobre a Lei de Imprensa, mas eu acho que tem outras questƵes... SenĆ£o a gente vai ficar nesse ponto especĆ­fico. Se nĆ£o estou enganado, creio que o ponto de vista tanto do Reinaldo quanto do Mino jĆ” foi registrado. Mas, Ć  vontade se alguĆ©m quiser tocar para adiante.

TĆ£o Gomes Pinto: Eu queria fazer uma colocaĆ§Ć£o ao MercĆŗcio Parla, porque MercĆŗcio Parla domina esse livro de uma maneira irresistĆ­vel... eu diria brilhante.

Paulo Markun: SĆ³ vamos esclarecer entĆ£o, desculpe interromper, MercĆŗcio Parla Ć©, digamos assim, o personagem que escreve o livro, que conta suas memĆ³rias.

TĆ£o Gomes Pinto: Conta sua memĆ³rias.

Paulo Markun: Claramente inspirado em Mino Carta.

TĆ£o Gomes Pinto: Eu, por enredo, ou pelo destino, ou por razƵes de realidade virtual, trabalho na revista Jornalistas, que Ć© a revista Imprensa. E ali sou atĆ© obrigado a tecer consideraƧƵes sobre colegas de profissĆ£o, criticando alguns, chamando atenĆ§Ć£o de outros, elogiando outros. E eu publiquei, recentemente, numa... recentemente nĆ£o, no Ćŗltimo nĆŗmero da revista Jornalistas, um editorial onde eu digo que Mino Carta - ou MercĆŗcio Parla - Ć© o melhor jornalista brasileiro dos Ćŗltimos cinqĆ¼enta anos. Eu poderia ter dito 150, 225, porque Ć© o que eu acredito. Eu acredito que a comparaĆ§Ć£o sua, me parece, sĆ³ pode ser feita com relaĆ§Ć£o a LĆ­bero BadarĆ³, que por coincidĆŖncia tambĆ©m nasceu na Laigueglia [cidade da ItĆ”lia], deve ter um ā€œcastelo de Ć¢mbarā€ lĆ” perto e tal. E que morreu no Brasil com a famosa frase: ā€œMorre um liberal, mas nĆ£o morre a liberdadeā€. Ele tinha o direito de sonhar, no Ćŗltimo suspiro as pessoas tĆŖm o direito de sonhar. EntĆ£o sonhou que morria um liberal, mas nĆ£o morria a liberdade. Por coincidĆŖncia, ele foi assassinado por ordem de um ouvidor chamado Japiassu.

Mino Carta: Que nĆ£o tem nada a ver com o nosso amigo Moacir [referindo-se a Moacir Japiassu], nada, nada! [Risos]

TĆ£o Gomes Pinto: Ɖ um detalhe!

[...]: Cuidado com o Japiassu, Mino! [Pinto dĆ” uma gargalhada. Risos]

TĆ£o Gomes Pinto: Mas o que eu queria dizer a vocĆŖ Ć© o seguinte, Mino, perguntar e prerrogar o seguinte: o que vocĆŖ acha das novas mĆ­dias que estĆ£o surgindo? Fala-se muito em democratizaĆ§Ć£o da mĆ­dia, democratizaĆ§Ć£o da informaĆ§Ć£o. Queria sair instrumentos: internets, e-mails, telefones celulares... Hoje... cada brasileiro, daqui hĆ” pouco, vai ser portador de alguma lombriga e de um telefone celular... VocĆŖ nĆ£o acha que estamos prestes a uma revoluĆ§Ć£o na comunicaĆ§Ć£o, ou seja, essa sua teoria e essa sua posiĆ§Ć£o justificadĆ­ssima, de que os mandarins da imprensa sĆ£o os donos dos jornais, sĆ£o os sacerdotes da opiniĆ£o pĆŗblica - porque no Egito os sacerdote Ć© que mandavam -, aos poucos serĆ£o minados por esta nova sede de informaĆ§Ć£o? Por exemplo, o brasileiro hoje, nĆ£o Ć© que seja um povo sem conhecimento, nĆ³s temos capacidade de fazer, de bater falta, por exemplo, a mĆ©dia distĆ¢ncia... Por exemplo, RogĆ©rio [Ceni], goleiro do SĆ£o Paulo, faz isso com grande habilidade, nĆ£o Ć©?

Mino Carta: Ɖ verdade.

TĆ£o Gomes Pinto: Mas o brasileiro pode estar sendo... ou saltando para um patamar novo na comunicaĆ§Ć£o, ou se boƧalizando em massa. Qual a sua opiniĆ£o a respeito disso?

Mino Carta: A minha opiniĆ£o a respeito disso Ć© que esses instrumentos estarĆ£o a serviƧo dos "medalhƵes". Imagino que todos aqui tenham lido um conto de Machado de Assis, intitulado magistral, dessa figura universal, intitulado "A teoria do medalhĆ£o". Ɖ o tĆ­tulo do conto. E o conto Ć© o seguinte: um pai chama o filho que completa 21 anos e lhe ministra uma aula para ser medalhĆ£o. Como? A previsĆ£o dele Ć©... uma idade correta para se tornar medalhĆ£o Ć© 45 anos, embora possa ser admissĆ­vel que ele sĆ³ chegue a tanto aos sessenta ou mais, ou atĆ© menos, mas isso digamos, 25 anos, por exemplo, que Ć© possĆ­vel ser medalhĆ£o aos 25 anos, no entanto Ć© coisa para gĆŖnios. E qual Ć© a receita? A receita, em primeiro: jamais tenha idĆ©ias prĆ³prias, repita exaustivamente as idĆ©ias colhidas pelas esquinas. Repita e trabalhe sobre elas fugindo da imaginaĆ§Ć£o e buscando evitar a solidĆ£o, porque a solidĆ£o Ć© muito propĆ­cia para a reflexĆ£o [risos]. EntĆ£o, a reflexĆ£o Ć© perigosa. Perigosa, porque de repente vem uma idĆ©ia! Fuja sistematicamente da imaginaĆ§Ć£o, use um vocabulĆ”rio... - estou tentando repetir Machado - simples, simples, tĆ­bio, apocado, sem toques de clarim! Isso Ć© fundamental, fundamental! Agrade a todos, agrade a todos sistematicamente que vocĆŖ obterĆ” grande repercussĆ£o e respeito geral. Agora use as locuƧƵes mais triviais, lugares comuns, mais nefandos, e as fĆ³rmulas consagradas. Ao cabo, o filho pergunta: "E o riso? DĆ” para dar uma risadinha de vez em quando?" O pai diz: "Sim, claro, lĆ³gico, mas fuja sempre da ironia, nĆ£o use a ironia, que Ć© feiĆ§Ć£o prĆ³pria dos cĆ©ticos e dos desabusados!" Isso Ć© textual.

Paulo Henrique Amorim: Mino, supondo...

TĆ£o Gomes Pinto: MercĆŗcio era um deus grego?

Mino Carta: MercĆŗcio? NĆ£o. MercĆŗcio Ć© uma personagem de Shakespeare [MercĆŗcio Ć© personagem da tragĆ©dia Romeu e Julieta, de William Shakespeare, publicada em 1597. MercĆŗcio era parente de Escalo, prĆ­ncipe de Verona - onde se passa a trama -, e amigo de Romeu Montecchio. O jovem falastrĆ£o e cĆ“mico Ć© morto em duelo por Teobaldo, primo de Julieta Capuleto, o qual descobrira a intrusa presenƧa de Romeu no baile dos Capuletos, onde Romeu e Julieta se conheceram. Teobaldo encontra Romeu, MercĆŗcio e mais um amigo pela rua e os enfrenta. Romeu nĆ£o queria confusƵes mas, apesar da insistĆŖncia dos amigos, MercĆŗcio compra a briga de Romeu e aceita o desafio. Quando vĆŖ seu amigo morto, Romeu mata Teobaldo. A morte de MercĆŗcio desperta ainda mais a ira entre os Montecchios e os Capuletos, marcando a transiĆ§Ć£o da estĆ³ria de comĆ©dia para tragĆ©dia].

Paulo Henrique Amorim: Para quem nĆ£o conhece vocĆŖ...

Mino Carta: ... [que] paga estupidamente pelos erros dos outros [sorrindo].

Paulo Henrique Amorim: ... [riso] Para quem nĆ£o conhece vocĆŖ e nĆ£o teve ainda a possibilidade de ler o seu livro, vamos tentar... Eu gostaria que vocĆŖ fizesse um pequeno resumo do que eu suponho seja uma idĆ©ia que acompanha todo o trabalho, que nĆ£o sei se Ć© um romance, se Ć© uma reportagem, me permito nĆ£o entrar nesse capĆ­tulo perigoso da classificaĆ§Ć£o. Mas eu imagino que vocĆŖ tratou neste trabalho, neste texto, das relaƧƵes entre o poder e a imprensa no Brasil, da forma pela qual vocĆŖ pode testemunhar.

Mino Carta: Certo.

Paulo Henrique Amorim: VocĆŖ milita na imprensa brasileira jĆ” hĆ” algum tempo.

Mino Carta: Desde sempre.

Paulo Henrique Amorim: Desde sempre. E a minha pergunta Ć© a seguinte: o seu balanƧo - se vocĆŖ se permitiu neste livro fazer um balanƧo - seu balanƧo Ć© que nĆ³s melhoramos ou pioramos e por quĆŖ?

Mino Carta: Posso apenas concluir a resposta anterior?

Paulo Henrique Amorim: Claro, por favor.

Mino Carta: NĆ£o, eu queria dizer que essa invasĆ£o dessa arte nova, dessa virtualidade desenbestada etc e tal...

TĆ£o Gomes Pinto: Novas tecnologias...

Mino Carta: ... sĆ³ aproveita a criaĆ§Ć£o de mais "medalhƵes", eu acho. Quer dizer, Ć© a transformaĆ§Ć£o, no plano virtual, da aplicaĆ§Ć£o da "teoria do medalhĆ£o".

TĆ£o Gomes Pinto: Quer dizer, as fontes, os mandarins, os sacerdotes continuam dirigindo...

Mino Carta: Eles vĆ£o transferir para o plano virtual...

TĆ£o Gomes Pinto: Esse poder?

Mino Carta: Esse poder, essa receita.

TĆ£o Gomes Pinto: VocĆŖ nĆ£o acha que hĆ” uma democratizaĆ§Ć£o?

Mino Carta: NĆ£o. Eu acho atĆ© que no Brasil nĆ£o tem democracia, imagina vocĆŖ! Mas para responder a ele [apontando para Amorim], o balanƧo. Bom, o balanƧo. Eu acho que piorou, piorou bastante. Claro que melhorou do ponto de vista tecnolĆ³gico, nĆ£o Ć©? Houve um avanƧo tecnolĆ³gico extraordinĆ”rio. Eu me espanto ao verificar que a minha modesta redaĆ§Ć£o, a Carta Capital, estĆ” toda computadorizada. EstĆ£o todos no computador.

Paulo Henrique Amorim: Menos vocĆŖ!

Mino Carta: Menos eu, naturalmente.

Paulo Henrique Amorim: Eu vi no...

Mino Carta: Eu ainda lido com uma velha Olivetti [famosa marca de mƔquinas de escrever].

Reinaldo Azevedo: Por que naturalmente, Mino? Por que naturalmente?

Mino Carta: Porque eu sou um pobre velho [risos, close em Azevedo, que abre os braƧos consternado e depois ri], infeliz e incapaz, um coitadinho, entende? NĆ£o dĆ”, Ć© uma coisa mais forte do que eu! Ɖ superior Ć s minhas forƧas.

Reinaldo Azevedo: VocĆŖ tem e-mail?

Paulo Henrique Amorim: Mas Mino, por que vocĆŖ...

Mino Carta: NĆ£o, eu nĆ£o tenho e-mail. Mas eu nĆ£o tenho nem secretĆ”ria eletrĆ“nica, quer dizer, entĆ£o, eu me espanto atĆ© com televisĆ£o, imagine vocĆŖ!

Ziraldo: Acaba a resposta dele, a resposta do Paulo Henrique.

Mino Carta: Pois Ć©.

Paulo Henrique Amorim: Mino, piorou por quĆŖ? - eu faria aqui uma segunda pergunta embutida nesta -, mesmo depois do regime militar?

Mino Carta: NĆ£o, sobretudo depois do regime militar, porque eu acho que a tragĆ©dia brasileira desaba realmente em 1964. Acho que o Brasil estava encaminhado para um processo qualquer de modernizaĆ§Ć£o. AliĆ”s, Machado, na "teoria do medalhĆ£o", conta que o pai diz ao filho tambĆ©m: "Seja a favor da modernidade, mas nunca a aplique" [risos]. EntĆ£o, Ć© um pouco assim, entende? NĆ³s somos a favor da modernidade, a modernidade ficou no... Bom, 1964 Ć© a tragĆ©dia, tem um processo encaminhado...

Paulo Markun: Mas depois disso nĆ³s nĆ£o passamos... Eu estou no jornalismo hĆ” trinta anos, entĆ£o quando eu comecei a imprensa vivia sob censura.

Mino Carta: Sim, claro.

Paulo Markun: Todos os jornais! Depois de alguns jornais saĆ­rem da censura, manteve-se na Veja, nĀ“ O Pasquim, no OpiniĆ£o, nas televisƵes, e finalmente se acabou. Nem isso vocĆŖ acha que melhorou? O fato de termos hoje liberdade de imprensa para noticiarmos o que quisermos, publicarmos o que bem entendermos...

Mino Carta: Publicarmos o que quisermos nĆ£o quer dizer falarmos bem do governo e das autoridades constituĆ­das...

Paulo Markun: Mas uma publicaĆ§Ć£o...

Mino Carta: ...e eventualmente silenciarmos a respeito das informaƧƵes que deveriam ser dadas.

Paulo Markun: Mas a revista Carta Capital nĆ£o faz isso?

Mino Carta: A Carta Capital... [sendo interrompido]

Paulo Markun: EstĆ” nas bancas.

Mino Carta: A Carta Capital Ć© uma boa lembranƧa. EstĆ” nas bancas, mas a Carta Capital Ć© um excelente exemplo, porque a Carta Capital, embora quinzenal - graƧas a uma equipe valente que eu apenas dirijo, mas tem gente lĆ” de altĆ­ssimo nĆ­vel e eu acho atĆ© que tem lĆ” jornalistas bem melhores do que eu - a Carta Capital fura o jornalismo diĆ”rio com informaƧƵes que nĆ£o tĆŖm segmento.

Paulo Markun: Sim, mas se nĆ³s estivĆ©ssemos no regime militar, estarĆ­amos...

Mino Carta: A penĆŗltima capa da revista Carta Capital, ou ante-penĆŗltima, agora eu jĆ” nĆ£o lembro, havia uma reportagem sobre mazelas sĆ©rias envolvendo figurƵes da RepĆŗblica que mexem com o tal anexo quatro, enfim, movimentos entre Cayman e o Brasil. Quem falou disso? NinguĆ©m! Agora, foram desmentidas as informaƧƵes? NĆ£o, nĆ£o, o que Ć© isso! EntĆ£o, acredito que sejam verdadeiras.

Reinaldo Azevedo: Mino, eu queria uma declaraĆ§Ć£o sua, queria que vocĆŖ explicasse, na verdade, porque aqui para mim nĆ£o ficou claro [lendo uma afirmaĆ§Ć£o de Carta na mesma entrevista Ć  revista RepĆŗblica]: "Se compararmos o Brasil de hoje com o de 25 anos atrĆ”s, quando Vlado Herzog morreu, aquele era muito melhor, por incrĆ­vel que pareƧaā€.

Mino Carta: Ɖ, eu acho.

Reinaldo Azevedo: Eu queria que vocĆŖ... Evidentemente vocĆŖ nĆ£o tem saudade de ditadura.

Mino Carta: NĆ£o, absolutamente, mas eu acho que nĆ³s tĆ­nhamos uma enorme esperanƧa. A morte do Vlado Ć© um momento terrĆ­vel e decisivo na minha vida, devo dizer. Porque eu, naquele momento... Eu virei jornalista porque sou brasileiro, porque virei brasileiro. Porque, se eu tivesse ficado na ItĆ”lia ou em qualquer paĆ­s da Europa, eu nĆ£o seria jornalista. Agora, no Brasil senti realmente a utilidade, a serventia, e senti nesse momento. Porque atĆ©, digamos, Veja, eu tinha trabalhado trabalhado como um profissional, entende? E assim, como...

Reinaldo Azevedo: Entendi.

Mino Carta: Sim, exatamente. E assim trabalhei no Estado [O Estado de S. Paulo], no ā€œEstadĆ£oā€, onde eu fui muito bem tratado e foram certamente os melhores patrƵes que eu tive. Mas eu tinha uma funĆ§Ć£o tĆ©cnica, a opiniĆ£o era a do jornal. Quando eu fui para a Veja, atĆ© pelas lacunas, pela falta de um ideĆ”rio claro por parte dos meus patrƵes - os quais, se tivessem conhecido o Brasil nĆ£o teriam publicado aquela revista, atĆ© porque trĆŖs meses depois da saĆ­da da revista desabou sobre o paĆ­s o AI-5. EntĆ£o, nĆ£o era exatamente o momento ideal para fazer aquilo, e se fez foi porque eles nĆ£o tinham uma clareza quanto ao que era exatamente o paĆ­s, os rumores que o percorriam, a histĆ³ria...

Reinaldo Azevedo: SĆ³ para contar, vocĆŖ tinha ou vocĆŖ tambĆ©m nĆ£o tinha? Ɖ uma pergunta minha, eu nĆ£o estou te sacaneando. VocĆŖ tinha essa clareza e vocĆŖ deixou ocorrer, ou vocĆŖ tambĆ©m nĆ£o tinha?

Mino Carta: NĆ£o, eu tinha essa clareza, eu conhecia o paĆ­s, eu cheguei aqui com doze anos.

Reinaldo Azevedo: VocĆŖ estava ali falando: "Ih, isso nĆ£o vai dar certo!"


Mino Carta: NĆ£o. NĆ£o Ć© que nĆ£o vai dar certo. AliĆ”s, no livro estĆ” contada essa histĆ³ria, quer dizer, o MercĆŗcio Parla Ć© advertido por seus amigos: "Olha, cuidado, isso aqui..." Mas era tĆ£o tentadora a oportunidade, por que fugir de uma situaĆ§Ć£o? Eu normalmente nĆ£o tiro o time de campo. Sou um gramsciano [em referĆŖncia a Gramsci]: pessimista na inteligĆŖncia e otimista na aĆ§Ć£o. Vou em todas as bolas.

Paulo Henrique Amorim: Mas, Mino, por que o episĆ³dio do Vlado foi decisivo na tua vida?

Mino Carta: NĆ£o, foi decisivo porque aquilo realmente me tocou muito, a bestialidade do evento, entende? A ferocidade... EntĆ£o, quer dizer, no fundo cristalizou um processo que corria dentro de mim, e me levou Ć  convicĆ§Ć£o de que jornalismo, no fundo, tem um sentido e que isso te ajuda a, pelo menos, fornecer elementos para que algum dia a histĆ³ria escrita pelos vencedores possa ser corrigida.

Paulo Henrique Amorim: Mas voltando ao tema do Markun...

Mino Carta: Essa Ć© a questĆ£o, porque essa idĆ©ia de que a histĆ³ria Ć© sempre escrita pelos vencedores Ć© uma idĆ©ia que tem o poder de me irritar sobremaneira.

[...]: Muito bom, muito bom! ParabƩns, Mino [Carta sorri].

Paulo Markun: Mino Carta, Paulo RogĆ©rio Lentiole, de Vila Antonieta, aqui em SĆ£o Paulo, gostaria que vocĆŖ falasse um pouco sobre Ć©tica na impressa. Ele pergunta: "Existe ou nĆ£o?" E diz: "Eu, como estudante de jornalismo, acho que falta essa matĆ©ria no curso" [Carta ri].

Mino Carta: Eu nĆ£o sei, viu. Esta histĆ³ria de Ć©tica Ć© uma histĆ³ria complexa. Acho que a Ć©tica Ć© uma coisa automĆ”tica, a gente aprende quando nasce, aprende com os primeiros exemplos, aprende no primĆ”rio.

Paulo Markun: Vivendo em sociedade?

Mino Carta: Vivendo em sociedade. E hĆ” coisas Ć³bvias. O problema Ć© que, infelizmente, o paĆ­s vive tambĆ©m, entre outras crises, uma crise moral. Eu acho que nossa sociedade... quando eu digo sociedade, digo de quem pode comer carne todos os dias, proteĆ­nas, consumir proteĆ­nas todos os dias; nĆ£o falo, evidentemente, do povo brasileiro, que nĆ£o Ć© nem melhor e nem pior que tantos outros, que todos os outros, porque nĆ£o existem povos melhores ou piores. Infelizmente, o povo brasileiro estĆ” ainda vivendo uma espĆ©cie de escravidĆ£o, se nĆ£o for escravidĆ£o mesmo, nĆ£o Ć©? Agora, essa turma que vive entre razoavelmente e bem demais Ć© uma turma que trafega na vida como... sabe o jacarĆ© sobre a pele da Ć”gua com os olhos observando para ver onde serĆ” o prĆ³ximo golpe, o prĆ³ximo bote, onde ele o darĆ”? Ɖ por aĆ­. Eu acho que nĆ³s vivemos um perĆ­odo moralmente muito medĆ­ocre, nĆ£o Ć©?

Paulo Markun: Nesse rio, com jacarĆ© navegando para lĆ” e para cĆ”, o que o jornalista Ć© ou deve ser, na sua opiniĆ£o?

Mino Carta: Ɖ o que eu dizia hĆ” pouco, eu acho que o jornalista deve se preocupar em realmente fornecer elementos para que algum dia a histĆ³ria nĆ£o seja... para que a versĆ£o dos vencedores, dada pelos vencedores, seja eventualmente contestada.

Paulo Markun: Mas se a gente olha os jornais, a chamada grande imprensa, e fizemos uma vasculhada aĆ­ nos Ćŗltimos trĆŖs, quatro, seis meses, veremos nas primeiras pĆ”ginas diversas denĆŗncias contra elementos do governo, contra autoridades...

Mino Carta: Sim, mas sempre denĆŗncias menores - pelo menos, na maioria dos casos - em cima de assuntos menores. Nos interessamos muito, por exemplo, por Wanderley Luxemburgo [o entĆ£o tĆ©cnico da seleĆ§Ć£o brasileira de futebol foi acusado naquele ano de receber comissƵes indevidas com a venda supervalorizada de jogadores. No mesmo ano, Luxemburgo tambĆ©m foi acusado pela JustiƧa Federal de sonegaĆ§Ć£o de impostos no perĆ­odo de 1994 a 1997]. A histĆ³ria do Wanderley Luxemburgo nos deixa atordoados, nĆ£o dormimos, perdemos o sono, Ć© uma coisa triste; aliĆ”s, me entristece muito. SĆ³ que eu acho que o problema Ć© muito mais em cima. O problema estĆ” no JoĆ£o Havelange [presidente da Fifa (FĆ©dĆ©ration Internacionale de Football Association) entre 1975 e 1998, ano em que foi eleito presidente de honra da FederaĆ§Ć£o], estĆ” no Ricardo Teixeira [presidente da CBF (ConfederaĆ§Ć£o Brasileira de Futebol) a partir de 1999 e ex-genro de Havelange], estĆ” na velhacaria e na corrupĆ§Ć£o desses cartolas. E nĆ³s nos preocupamos com Wanderley Luxemburgo. NĆ£o digo que Wanderley Luxemburgo seja uma flor, mas enfim, ele Ć© o peixe pequeno. EntĆ£o, Ć© sempre o peixe pequeno.

Ziraldo: Posso fazer uma observaĆ§Ć£o, Mino? Eu acho assim, que, no Brasil, pobre e rico se ferram! Ɖ sĆ³ Georgina [Georgina de Freitas, ex-procuradora do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), presa por participar de um esquema de desvio de verbas da PrevidĆŖncia], o Wanderley... Agora rico, rico, pode ficar tranqĆ¼ilo que nĆ£o pegam. CadĆŖ o Chico Lopes [presidente do Banco Central por apenas 21 dias, em janeiro de 1999, que participava de um esquema de venda de informaƧƵes privilegiadas de juros e cĆ¢mbio aos irmĆ£os SĆ©rgio e Luiz BraganƧa, Rubens Novaes e ao dono do banco Marka, Salvatore Alberto Cacciola. O dinheiro que financiava o esquema saĆ­a de uma conta do Bank of New York, por ordem de uma subsidiĆ”ria do Banco Pactual nas Bahamas, famoso paraĆ­so fiscal. Lopes, na Ć©poca, foi demitido com alegaƧƵes de que conduzira mal a polĆ­tica cambial de desvalorizalĆ§Ć£o do real. Durante as investigaƧƵes, foi encontrada no apartamento de Lopes uma carta manuscrita por SĆ©rgio BraganƧa, na qual ele afirmava ser o depositĆ”rio fiel de cerca de um milhĆ£o e seiscentos mil dĆ³lares em contas de Lopes no exterior] por exemplo, com aquele um milhĆ£o e meio de dĆ³lares lĆ”, declarado no exterior em nome do outro?

Mino Carta: Sim, sim.

Ziraldo: EntĆ£o, trabalham em cima dos pobres que ficaram ricos. O rico pode ficar mais rico ainda, entendeu?

Mino Carta: Ɖ. Sempre, sempre.

Reinaldo Azevedo: Posso tentar organizar o dissenso de novo? Esta imprensa pĆ³s-ditadura derrubou um presidente da RepĆŗblica, cassou um senador de maneira inĆ©dita na histĆ³ria da RepĆŗblica, cassou um bando de deputados ligados Ć  CPI do narcotrĆ”fico... No meu entendimento, aĆ­ eu gostaria de te ouvir tambĆ©m, acho atĆ© que peca por excesso de denuncismo, porque hĆ” um vaso comunicante hoje entre MinistĆ©rio PĆŗblico e imprensa dos mais incĆ“modos, porque o MinistĆ©rio PĆŗblico planta lĆ” a denĆŗncia na imprensa antes mesmo desse troƧo ter qualquer indĆ­cio de veracidade, e isso sai, e a honra das pessoas Ć© jogada na lama e nĆ£o se recupera mais, nĆ£o adianta. Essa imprensa Ć© tĆ£o ruim assim? A imprensa que derruba um presidente... [sendo interrompido]

Paulo Henrique Amorim: Desculpe, Reinaldo, isso o quĆŖ? Porque o MinistĆ©rio PĆŗblico faz um conjunto de denĆŗncias.

Ziraldo: Pois Ć©, qualquer censura ao MinistĆ©rio PĆŗblico me deixa estarrecido...

Paulo Henrique Amorim: Qual tipo de denĆŗncia que vocĆŖ acha que Ć©...?

Ziraldo: VocĆŖ consegue chegar... A primeira conquista da democracia Ć© o MinistĆ©rio PĆŗblico e ele quer denunciar o MinistĆ©rio PĆŗblico, rapaz? Pelo amor de Deus, vocĆŖ estĆ” a serviƧo de quem?

Reinaldo Azevedo: NĆ£o, nĆ£o, nĆ£o... Escuta, eu nĆ£o acho que nem o MinistĆ©rio PĆŗblico, nem coisa nenhuma estĆ” acima de qualquer suspeita... nĆ£o estĆ” tambĆ©m. SĆ³ estou dizendo o seguinte: essa imprensa derrubou ou nĆ£o derrubou um presidente da RepĆŗblica?

Mino Carta: Eu posso...? Achei Ć³tima...

Reinaldo Azevedo: Cassou ou nĆ£o cassou?

Mino Carta: Olha, achei Ć³tima, estou encantado com essa sua referĆŖncia a queda do... Eu vou lhe contar a queda do Collor.

Reinaldo Azevedo: Explique, sim. Por favor.

Mino Carta: Em fins de outubro de 1990, Collor nĆ£o tinha ainda completado um ano de mandato - tinha sido empossado em marƧo -, a revista IstoƉ, que eu entĆ£o dirigia, publicou uma reportagem magistral assinada por Bob Fernandes que contava exatamente tudo, tudo, absolutamente tudo aquilo que o irmĆ£o do Collor declarou depois numa entrevista Ć  revista Veja em abril de 92, ou seja, um ano e seis meses depois. Tudo, menos os supositĆ³rios de cocaĆ­na. Bem, essa reportagem caiu no vazio. Contava tudo sobre as relaƧƵes entre PC Farias e o governo. Caiu no vazio. Por quĆŖ? Eu acho que caiu no vazio porque o pessoal de cima, que tinha agarrado no fio desencapado Collor - sabendo que se tratava de um fio desencapado, mas necessĆ”rio, providencial atĆ©, para enfrentar o sapo barbudo Lula, para poder derrotĆ”-lo, fazendo inclusive mil coisas fantĆ”sticas, mil mazelas, mil subterfĆŗgios, mil coisas, mil retoques a debates e coisa similares, ajudando de todas as maneiras -,esses mesmos senhores nĆ£o tinham ainda decidido derrubar o senhor Collor. Que o qual, porĆ©m, estava sendo...

Reinaldo Azevedo: Quem sĆ£o os senhores, Mino? Eu sei, mas diz para o pessoal lĆ” em casa quem sĆ£o esses senhores! Quem sĆ£o?

Mino Carta: Como "Diz para o pessoal lĆ” em casa"? Os senhores sĆ£o as pessoas que mandam no paĆ­s.

Reinaldo Azevedo: NĆ£o, nĆ£o, imagina.

Mino Carta: Era o governo, eram os empresĆ”rios envolvidos com o governo, eram os donos da imprensa nativa, os donos da mĆ­dia e da comunicaĆ§Ć£o em geral.

Reinaldo Azevedo: Muito bem, nĆ£o deram atenĆ§Ć£o para a IstoƉ e depois?

Mino Carta: NĆ£o deram atenĆ§Ć£o, deram um ano e meio depois, por quĆŖ? Porque o rapaz estava cobrando um pedĆ”gio muito alto, 30%, 40%, os anteriores sĆ³ cobraram dez, vinte, entende? EntĆ£o, vamos... Mas eles nĆ£o queriam derrubĆ”-lo, nĆ£o queriam derrubĆ”-lo, vocĆŖ vai me desculpar, mas nĆ£o queriam. Eles queriam adverti-lo, porque a tal CPI que se formou estava admitindo que, sem provas, nĆ£o se conseguiria chegar a alguma coisa. E todo mundo dizia que nĆ£o tinha provas, entende? E o prĆ³prio denunciante, o tal do Pedro Collor, dizia nĆ£o ter provas. EntĆ£o, a coisa ia morrer ali. Se a IstoƉ nĆ£o descobrisse num trabalho de reportagem brilhante da sucursal de BrasĆ­lia, orientada, diga-se de novo, pelo Bob Fernandes, que tinha dado uma dica preciosa que se revelou realmente certa, se confirmou.

Reinaldo Azevedo: Bob e o Lula tambĆ©m, nĆ£o Ć©?

Mino Carta: Hein?

Reinaldo Azevedo: E o Lula tambĆ©m. O Lula Marques tambĆ©m estava junto, nĆ£o estava? Na coisa de achar o Eriberto.

Paulo Markun: NĆ£o, acho que era o Mino Pedrozo.

Mino Carta: NĆ£o, nĆ£o. Havia trĆŖs pessoas. A sucursal inteira trabalhou naquele episĆ³dio. Mas, enfim, eles foram atrĆ”s dessa indicaĆ§Ć£o, era uma indicaĆ§Ć£o, foram atrĆ”s, desenvolveram, acharam um motorista. AĆ­, com o motorista Ć  mĆ£o, realmente a coisa ficou complicada.

Reinaldo Azevedo: Agora Mino, eu estava no [...], era uma histeria para achar provas e nĆ£o existiam, nĆ£o tinham provas!

Mino Carta: Eu quero lhe lembrar, quero lhe lembrar... Hein?

Reinaldo Azevedo: Era uma histeria nas redaƧƵes dos jornais, eu estava num grande jornal na Ć©poca em busca das provas atĆ© que vocĆŖs conseguiram.

Mino Carta: Mas Ć© claro, eles estavam em busca das provas e nĆ£o estavam achando.

Reinaldo Azevedo: NinguĆ©m acendeu o sinal verde: "Vai lĆ” e agora pega". NĆ£o foi assim!

Mino Carta: E a CPI ia se encerrar sem nada, sem... E o senhor Collor continuaria governando e concluiria seu mandato tranqĆ¼ilamente. O PrĆŖmio Esso de Jornalismo, que aliĆ”s, oferece oportunidades para acertos fantĆ”sticos embaixo do pano, por trĆ”s das cortinas e tal, porque [Ć©] "eu dou essa coisa para vocĆŖ e vocĆŖ dĆ” essa coisa para mim e no ano que vem que vem vocĆŖ vai ganhar" etc e tal, nĆ³s sabemos como Ć© que funciona este negĆ³cio. EntĆ£o, o PrĆŖmio Esso foi dado Ć  revista Veja, quando obviamente deveria ser dado ao pessoal da sucursal de BrasĆ­lia da revista IstoƉ. Seria assim em qualquer paĆ­s do mundo. NĆ£o Ć© aqui, porque aqui nĆ³s temos a elite mais feroz, mais determinada, mais resistente do mundo. E, referindo-se Ć  sua pergunta, com referĆŖncia Ć  sua pergunta de hĆ” pouco sobre porque no tempo de Vlado, [quando] nĆ³s estĆ”vamos no fundo, era um tempo melhor, por quĆŖ? Porque estĆ”vamos cheios de esperanƧa, acreditĆ”vamos que no dia em que raiasse o sol da liberdade, seria liberdade mesmo. E olha, nĆ£o raiou sequer a lua. Aqui a nĆ©voa Ć© espessa. AliĆ”s, graƧas a Fernando Henrique Cardoso, conseguiu-se formar a alianƧa de direita mais determinada, mais compacta de todos os tempos da histĆ³ria do paĆ­s, debaixo da Ć©gide desse santo.

Reinaldo Azevedo: Que pode ser denunciada por aqueles que quiserem denunciar, o que nĆ£o se poderia na Ć©poca do Vlado.

Mino Carta: NĆ£o, nĆ£o. Podem denunciar o que bem entenderem, mas nas questƵes substantivas nĆ£o acontece absolutamente nada.

Reinaldo Azevedo: Mas nĆ£o Ć© a sociedade que tem que fazer as questƵes substantivas Mino?

Mino Carta: Hein?

Reinaldo Azevedo: NĆ£o Ć© a sociedade que tem que fazer as questĆ£o substantivas, NĆ£o o jornalismo?

Mino Carta: Mas como se a sociedade Ć© completamente manipulada, se a "teoria do medalhĆ£o" funciona tĆ£o admiravelmente neste paĆ­s.

Reinaldo Azevedo: Mas funciona nos partidos, nos sindicatos, no...

Mino Carta: Eu acho que funciona em geral, eu acho que hoje, neste exato instante, o Ćŗnico movimento que me parece digno de algum respeito Ć© o MST [Movimento dos Sem Terra].

Ziraldo: Mino, eu queria falar um pouquinho sobre a sua personalidade, quer dizer, porque a gente estĆ” entrevistando... Esta visĆ£o do Brasil que vocĆŖ tem, que me faz ter tambĆ©m uma admiraĆ§Ć£o quase tĆ£o grande por vocĆŖ como tem o TĆ£o, e o Nirlando BeirĆ£o [close em Carta rindo], que te chamou - Nirlando Ć© adjetivoso como ninguĆ©m - o Nirlando e o TĆ£o estĆ£o na sua lista. AliĆ”s, por acaso, aqui na... vocĆŖ foi capa da minha revista [mostra a capa da revista Bundas, em que Mino Carta aparece em uma montagem com dois chifres de diabo e uma aurĆ©ola de anjo].

Mino Carta: O que Ć© isso? [Risos] NĆ£o, espera aĆ­! Posso levantar?

Paulo Markun: Pode, pode.

Mino Carta: Posso trafegar pelo estĆŗdio?

Paulo Markun: GraƧas ao microfone sem fio!

[Carta levanta-se da cadeira e vai atĆ© Ziraldo pegar o exemplar de sua mĆ£o, a fim de ver com mais detalhe, retornando logo ao seu lugar no centro da roda]

Mino Carta: Ah, sim. Puxa Vida!

Ziraldo: Estou falando sobre o negĆ³cio da personalidade.

Mino Carta: Mas Ć© um demĆ“nio santo, nĆ£o Ć©?

Ziraldo: NĆ£o. Ɖ. Ɖ anjo e demĆ“nio.

Paulo Markun: Se vocĆŖ enquadrar, jĆ” que estamos no departamento de mostrar a revista do...

Mino Carta: O que Ć© que eu faƧo? [Carta vira a capa do exemplar, antes voltada para si, para uma das cĆ¢meras do estĆŗdio. Ao lado da foto de Carta, aparece o tĆ­tulo da matĆ©ria "Quem tem medo do Mino Carta?"]

Paulo Markun: AtĆ© aĆ­. AĆ­ estĆ” bom. [Dando as orientaƧƵes sobre a inclinaĆ§Ć£o para Carta exibir a entrevista, de modo a nĆ£o ter reflexos dos refletores do estĆŗdio].

[...]: Assim.

Paulo Markun: Beleza.

Ziraldo: Pois Ć©. VocĆŖs podem cumprimentar amanhĆ£ a entrevista de hoje lendo a Bundas. Mas quero dizer o seguinte, porque tem um... "Quem tem medo do Mino Carta?" E essa coisa... nĆ³s transformamos vocĆŖ em "meio anjo, meio demĆ“mio". Quer dizer, eu acho, aĆ­ estou falando da sua personalidade, acho que Ć© um pouco uma imagem que vocĆŖ gosta de cultivar [Carta ri]! Eu gosto da sua coragem e admiro muito essa coisa de vocĆŖ falar que o Brasil que te fez jornalista porque vocĆŖ chegou: "Aqui eu tenho que ser jornalista porque este paĆ­s precisa dessa coisa"...

Mino Carta: Ɖ.

Ziraldo: Quero dizer que vocĆŖs trĆŖs, o Paulo Henrique Amorim, o TĆ£o e o Nirlando BeirĆ£o, sĆ£o citados nesta entrevista como um dos trĆŖs maiores jornalistas que o Mino conheceu.

Paulo Henrique Amorim: Obrigado, obrigado.

TĆ£o Gomes Pinto: Muito obrigado.

Ziraldo: Agora, o Nirlando...

Mino Carta: Mas tĆŖm outros que eventualmente nĆ£o privam comigo!

Ziraldo: Sim, mas estou falando desses. Mas o Nirlando...

Mino Carta: Mas esqueci, certamente muitos.

Ziraldo: Mas o Nirlando gosta muito de elogiar quem tem poder, ele Ć© fascinado por quem tem poder [risos]. Outro dia ele deu uma lambida no Waltinho Moreira Salles [Walter Moreira Salles Jr., cineasta, diretor de Central do Brasil. Filho de Walther Moreira Salles (1912-2001), fundador do Unibanco] que eu fiquei estarrecido, mas agora o que ele fez em elogio a vocĆŖ no artigo que eu li aqui na internet Ć© estarrecedor! EntĆ£o, ele acaba te fazendo um elogio que eu acho que vocĆŖ nĆ£o deve gostar muito. Eu queria saber o seguinte, duas coisas sĆ³, falando da sua personalidade, vocĆŖ gosta de que tenham medo do Mino Carta? E segundo, vocĆŖ Ć© um rochedo de convicƧƵes? NĆ£o Ć© possĆ­vel, eu acho que vocĆŖ Ć© um mar de dĆŗvidas, eu queria... gosto muito mais dessa coisa maleĆ”vel.

Mino Carta: AgradeƧo muito.

Ziraldo: E o Nirlando te chama de rochedo de convicƧƵes, Mino. VocĆŖ virou um ditador e um autoritĆ”rio, o que vocĆŖ acha? VocĆŖ gosta de que tenham medo de vocĆŖ? VocĆŖ Ć© um rochedo de convicƧƵes?

Mino Carta: NĆ£o. NĆ£o. Primeiro, nĆ£o gosto de que tenham medo, mas eu espero que ninguĆ©m tenha medo, em primeiro lugar. NĆ£o gostaria de causar medo. E, em segundo lugar, eu sou uma dĆŗvida ambulante [risos]. Agora, em relaĆ§Ć£o a certas coisas nĆ£o hĆ” como escapar Ć  convicĆ§Ć£o.

Ziraldo: Claro, claro.

Mino Carta: Entende? Por exemplo, se eu falo dos manda-chuvas do paĆ­s, se eu falo dos donos do poder, como diz Raymundo Faoro [(1925-2003), autor de Os donos do poder, obra que critica a heranƧa patrimonialista brasileira], eu tenho a convicĆ§Ć£o de que eles sĆ£o os responsĆ”veis pela situaĆ§Ć£o que estamos vivendo, que Ć© um situaĆ§Ć£o terrĆ­vel, as pessoas fingem que nĆ£o, que nĆ£o Ć© com elas, entende? SĆ£o Paulo e Rio estĆ£o entre as cinco cidades mais violentas do mundo, emparelhadas com Cali, MedellĆ­n, uma cidade da CisjordĆ¢nia...

Paulo Henrique Amorim: Ramallah.

Mino Carta: Ɖ, Ramallah.

Paulo Henrique Amorim: Isso.

Mino Carta: Quer dizer, cinco cidades... Esta Ć© a situaĆ§Ć£o, existe uma guerra civil nĆ£o declarada, mas claradamente...

Ziraldo: Morre mais gente em SĆ£o Paulo do que no Oriente MĆ©dio.

Mino Carta: Sim, entre SĆ£o Paulo...

Paulo Henrique Amorim: Em Ramallah Ć© igual.

Mino Carta: E...

Paulo Henrique Amorim: Em Ramallah Ć© igual.

Ziraldo: Ɖ igual?

Paulo Henrique Amorim: Ɖ.

TĆ£o Gomes Pinto: Mino, uma pergunta, aquela guerra civil...

Mino Carta: E chegamos a esta situaĆ§Ć£o como? E as pessoas fingem que nĆ£o vĆŖem, mas Ć© como se pretendessem passar na frente da favela e se acostumar tanto com a paisagem que te parece normal que ela esteja lĆ”. E Ć© assim, entende? Todos os nossos nĆŗmeros nestes Ćŗltimos seis anos pioraram, com exceĆ§Ć£o da inflaĆ§Ć£o, que realmente foi domada, e graƧas a um plano certamente inteligente, mas exposto, talvez que, quem sabe, devesse ter recebido uns retoques, exposto a problemas, a chuvas e trovoadas, mas de qualquer maneira Ć© discutĆ­vel isso. E a mortalidade infantil, que realmente teve uma melhora nesse nĆŗmero. Todos os outros nĆŗmeros estĆ£o piores, muito piores.

Paulo Henrique Amorim: Mino, jĆ” que estĆ”vamos falando de Machado de Assis e, para nĆ£o dar a impressĆ£o que vocĆŖ Ć© um Casmurro [personagem narrador do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis], o livro O castelo de Ć¢mbar tambĆ©m tem perfis de personagens emocionantes, pessoas de quem vocĆŖ genuinamente gosta e elogia...

Mino Carta: Claro.

Paulo Henrique Amorim: ... de forma quase tĆ£o transbordante quanto o Nirlando BeirĆ£o. Eu me lembro, por exemplo, que vocĆŖ fala do Raymundo Faoro como um profeta.

Mino Carta: Sim.

Paulo Henrique Amorim: Sei que nessa categoria de pessoas que vocĆŖ admira e que foram importantes na sua vida tem tambĆ©m o ClĆ”udio Abramo, jornalista como nĆ³s. Por que vocĆŖ nĆ£o fala um pouco do Faoro e do ClĆ”udio?

Mino Carta: Bem, o Faoro, eu conheci, na verdade quando eu sai da Veja, ele me ligou solidarizando, eu jĆ” tinha lido...

Paulo Henrique Amorim: VocĆŖ nĆ£o o conhecia?

Mino Carta: NĆ£o, nĆ£o. Toca o telefone, do outro lado estĆ” o senhor Raymundo Faoro. AĆ­, acabei conhecendo quando ele jĆ” presidia a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e almoƧƔvamos bacalhau no [...], no Rio de Janeiro, e eu fiquei encantado com a ironia, com a ironia do desabusado, do cĆ©tico desabusado. E um homem de extrema coragem e profeta, por quĆŖ? Ele prĆ³prio explica, na entrevista que ele deu ao Bob [Fernandes] e a mim, recentemente, que estĆ” na capa da Ćŗltima...

Paulo Henrique Amorim: Nesse nĆŗmero?

Mino Carta: Exato, da Ćŗltima Carta Capital. A primeira etimologia da palavra, o significado da palavra Ć© mensageiro. Mensageiro que vinha para criticar uma situaĆ§Ć£o. E ele Ć© profeta nesse sentido, porque na verdade ele escreveu um livro tĆ£o admirado... AliĆ”s, escreveu dois livros, ambos admirĆ”veis, um deles Ć© o PirĆ¢mide e o trapĆ©zio [Raymundo Faoro Ć© autor de Machado de Assis: a pirĆ¢mide e o trapĆ©zio], que diz respeito ao Machado, quer dizer, Ć© uma anĆ”lise de polĆ­tica mostrando como Machado era um crĆ­tico de costumes formidĆ”vel, e como ele via o paĆ­s, como, de alguma forma, ele tambĆ©m era um profeta, porque antecipava as coisas ao fazer uma leitura correta que os contemporĆ¢neos nĆ£o sabiam fazer. E isso pode ser dito tambĆ©m, sobretudo, atĆ© desse ponto de vista, em relaĆ§Ć£o a Os donos do poder, que Ć© uma reconstituiĆ§Ć£o dos caminhos, dos caminhos do poder entre Portugal e Brasil, da Dinastia de Avis [reinou em Portugal de 1385 a 1580] a GetĆŗlio Vargas. Mas vocĆŖ tem aĆ­ os elementos para imaginar o que acontecerĆ” depois. VocĆŖ jĆ” sabe, se vocĆŖ faz uma leitura correta do livro vocĆŖ chega lĆ”. Quanto ao ClĆ”udio, o ClĆ”udio eu conheci menino, mal tinha chegado aqui e meu pai trabalhava no Estado [O Estado de S. Paulo] e escrevia todos os dias um artigo, porque meu pai dirigia a seĆ§Ć£o internacional do "EstadĆ£o" e esse artigo era uma espĆ©cie de sĆŗmula do dia, intitulava-se... era uma rubrica intitulada de um dia para o outro. Escrevia em italiano, tĆ­nhamos chegado hĆ” meses. E o ClĆ”udio foi chamado para trabalhar no Estado, porque era um moƧo muito promissor e tal, todo mundo sabia que o garoto daria certo. Mas alĆ©m disso, porque ele era filho de italianos, sabia perfeitamente italiano e traduzia meu pai, e foi neste tempo que nĆ³s ficamos amigos. E eu acompanhei muito o ClĆ”udio, tinha grande admiraĆ§Ć£o por ele, sempre tive, acho que foi o maior jornalista brasileiro dos Ćŗltimos cinqĆ¼enta anos, talvez 225. [Risos]

[...]: Talvez ClĆ”udio, LĆ­bero BadarĆ³ e...

Mino Carta: Parafrasendo...

[Falam simultanemante]

TĆ£o Gomes Pinto: Deixo eu colocar, vocĆŖ disse que o Mesquita foi um dos melhores patrƵes.

Ziraldo: JĆ” falamos disso trĆŖs vezes, nĆ£o Ć©? Aqui, aqui e no livro.

Mino Carta: Sim, sim.

TĆ£o Gomes Pinto: Agora, aqui estĆ” no seu livro [lĆŖ um trecho do livro]: "Ao morrer, Alberti..." - Alberti Ć© o ClĆ”udio Abramo - "... leu-se, entre outras, estampada no arauto" - que Ć© o "EstadĆ£o" - "a afirmaĆ§Ć£o de que ele fora um grande repĆ³rter".

Mino Carta: Sim.

TĆ£o Gomes Pinto: Ponto final.

Mino Carta: Sim.

TĆ£o Gomes Pinto: O "EstadĆ£o" reduziu Alberti, ClĆ”udio Abramo, Ć  funĆ§Ć£o de um grande repĆ³rter.

Mino Carta: Sim, essas coisas sĆ£o coisas tristes, sĆ£o coisas lamentĆ”veis, mas eu me dei muito bem com os Mesquita enquanto trabalhei lĆ”, e eles se portaram sempre muito bem comigo, era um tempo que eu me considerava um profissional, entende? As idĆ©ias deles nĆ£o batiam com as minhas... Eu devo confessar que, ao regressar ao paĆ­s em 60, eu tinha um certo ceticismo, digamos, um certo pessimismo na inteligĆŖncia em relaĆ§Ć£o Ć  esquerda brasileira. Nunca confiei muito, eu confesso. Embora tenha enorme admiraĆ§Ć£o por alguns esquerdistas brasileiros, por exemplo, Marighella [Carlos Marighella (1911-1969), jovem militante nos tempos da ditadura, filiado ao Partido Comunista do Brasil, morto a tiro em emboscada no centro da cidade de SĆ£o Paulo], uma pessoa pela qual eu tenho grande admiraĆ§Ć£o.

Reinaldo Azevedo: Pela coragem pessoal?

Mino Carta: Pela coragem pessoal, por algumas idĆ©ias que ele teve, que jĆ” eram meio antigas, talvez. A idĆ©ia da guerrilha urbana, por exemplo, inaplicĆ”vel no Brasil... Mas, enfim, era uma pessoa sĆ©ria, corajosa e disposta a ir atĆ© as Ćŗltimas conseqĆ¼ĆŖncia. E houve muitos, diga-se, como ele...

Reinaldo Azevedo: E o Lula?

Mino Carta: ... ou entĆ£o intelectuais como Caio Prado [Caio da Silva Prado Junior (1907-1990), geĆ³grafo, historiador e escritor. Foi professor da Universidade de SĆ£o Paulo, pertenceu Ć  AlianƧa Nacional Libertadora de SĆ£o Paulo e, posteriormente, foi eleito deputado estadual pelo Partido Comunista Brasileiro. Ɖ autor de importantes livros como FormaĆ§Ć£o do Brasil contemporĆ¢neo], o Caio Prado que... enfim, mas eu acho um protĆ³tipo perfeito desses esquerdistas de quem eu desconfiava...

Reinaldo Azevedo: Mino, deixa eu te fazer uma pergunta precisa...

Paulo Henrique Amorim: Quem era, Mino?

Mino Carta: O Fernando Henrique Cardoso, entende? [Risos] Porque eu, desde que vi o Fernando Henrique, senti nele essa coisa... [sendo interrompido]

Reinaldo Azevedo: Mas nunca foi de esquerda, nĆ£o Ć©, Mino? A teoria da dependĆŖncia nĆ£o Ć© de esquerda. Eu quero que alguĆ©m me prove que a dependĆŖncia Ć© uma tese de esquerda. Foi um erro brutal.

Mino Carta: Mas escuta, o primeiro livro dele, que Ć© aquele sobre...

Reinaldo Azevedo: Sobre o escravismo...

Paulo Henrique Amorim: EscravidĆ£o no Brasil meridional [Capitalismo e escravidĆ£o no Brasil meridional - O negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul, 1977].

Mino Carta: No prefĆ”cio estĆ” escrito: "Eu usei aqui o mĆ©todo dialĆ©tico marxista", prefĆ”cio escrito por ele. Quando ele me disse que, jĆ” nesse tempo, ele misturava Karl Marx com Weber, ou seja, 61, 62, eu disse ao Fernando Henrique: "Escuta, mas no prefĆ”cio, eu me lembro que estava escrito assim". Ele disse: "NĆ£o, nĆ£o, mas na segunda ediĆ§Ć£o eu tirei a referĆŖncia!". [Risos]

Reinaldo Azevedo: Mino, vocĆŖ citou o ClĆ”udio Abramo, que era marxista, mais propriamente trotskista e, portanto, tinha um marco claro de economia polĆ­tica que a gente conhecia, nĆ£o Ć©? E creio que, um dos Ćŗltimos textos, senĆ£o o Ćŗltimo que ele escreveu, um textinho lĆ” na Folha, chamava "Culpa dos oprimidos", em que ele estava meio com saco cheio, acho que vocĆŖ lembra do texto, meio assim: "Olha...". Meio assim: "Desisto do povo, nĆ£o dĆ” e tal".

Mino Carta: Sim, era um desabafo...

Reinaldo Azevedo: Tomei aquilo como um texto assim, antecipando a morte, porque na verdade morria ali a esperanƧa, tambĆ©m, de qualquer revoluĆ§Ć£o e tal.

Mino Carta: Sim, sim.

Reinaldo Azevedo: Qual Ć© seu marco? VocĆŖ Ć© marxista? Seu marco Ć© de classe? Quando vocĆŖ fala dos poderosos, eu queria entender, Ć© de classe social que vocĆŖ fala?

Mino Carta: Quando eu trabalhei na ItƔlia, porque eu saƭ daqui...

Reinaldo Azevedo: Porque tem poderosos, como meu amigo Nirlando lambe, mas tem outros poderosos, tambĆ©m, que a imprensa de esquerda lambe, que sĆ£o poderosos tambĆ©m. O MST Ć© muito poderoso e a imprensa lambe o MST tambĆ©m, nĆ£o Ć© mesmo?

Ziraldo: Poderoso? [Risos]

Reinaldo Azevedo: NĆ£o? Eu te provo por nĆŗmeros daqui hĆ” pouco.

Ziraldo: Quem sabe Ć© o Mino.

Reinaldo Azevedo: Eu quero saber, o marco Ć© marco de classe social?

Mino Carta: NĆ£o. NĆ£o vamos nos perder pelo...

Reinaldo Azevedo: NĆ£o, nĆ£o. VocĆŖ Ć© marxista, Mino?

Mino Carta: NĆ£o, acho que Marx Ć© um grande filĆ³sofo, um pensador notĆ”vel. Eu aprecio muitas coisas de Marx, mas nĆ£o sou marxista nesse sentido. Agora, quando eu estive na ItĆ”lia, os meus amigos todos eram do Partido Comunista e, entĆ£o, eu me liguei muito a eles. E cheguei aqui com idĆ©ias comunistas, comunismo italiano, que sempre foi um... Eu sou profundamente gramsciano; nĆ£o sou marxista, sou um gramsciano.

Reinaldo Azevedo: Gramsci seria mais otimista na situaĆ§Ć£o do Brasil atual, nĆ£o seria?

Mino Carta: Na visĆ£o, no Brasil atual?

Reinaldo Azevedo: Ɖ.

Mino Carta: Mas, meu caro, eu sou muito otimista. A longo prazo.

Reinaldo Azevedo: A longo prazo? [Risos]

Mino Carta: Agora, eu gostaria de assistir [risos]. Eu gostaria de assistir a essa transformaĆ§Ć£o fantĆ”stica, entende?

Reinaldo Azevedo: Mas vocĆŖ estĆ” fora do cĆ”rcere.

Mino Carta: Todos nĆ³s gostarĆ­amos. NĆ£o. Eu, evidentemente, o meu tempo Ć© curto, as clĆ£s demonstram isso, provam largamente, mas eu gostaria que sobrasse para os meus netos e eu tenho dĆŗvidas que sobrem para eles. Eu acho que temos que comeƧar a pensar em cem anos. AliĆ”s, a gente que sabe fazer esses cĆ”lculos fala em cem anos para poder recuperar o paĆ­s de tantos erros.

Ziraldo: Ɖ o que comeƧou em 64, nĆ£o Ć©? O que comeƧou em 64 vai demorar cem anos ainda.

Mino Carta: NĆ£o, se Ć© por isso comeƧou... comeƧou com a independĆŖncia, na verdade...

TĆ£o Gomes Pinto: ComeƧou com a libertaĆ§Ć£o dos escravos.

Mino Carta: ... porque o LĆ­bero BadarĆ³, que vocĆŖ [dirige-se a TĆ£o] tanto admira, viveu aqui nesse tempo. O Brasil era pouco independente. ComeƧou e continuou. Agora, realmente em 1964, atĆ© em funĆ§Ć£o da industrializaĆ§Ć£o, atĆ© em funĆ§Ć£o de Volta Redonda, de uma sĆ©ria de coisas que estavam acontecendo, da Petrobras, o paĆ­s estava tomando um certo rumo, talvez atĆ© daĆ­ surgisse um proletariado, um proletariado consciente da sua condiĆ§Ć£o de proletariado. Porque vocĆŖ nĆ£o cria grandes partidos de esquerda, eficazes, porque o problema da nossa esquerda foi tambĆ©m que ela sempre foi muito ineficaz. Mas partidos de esquerda tem que ter o caldo de cultura de um proletariado disposto. A decepĆ§Ć£o do ClĆ”udio [Abramo] era essa, entende? NĆ£o tem, nĆ£o se formou um proletariado, vocĆŖ vai para SĆ£o Bernardo, que se hĆ” um lugar do paĆ­s onde deveria existir um proletariado [Ć© ali] e, eventualmente, o [Paulo] Maluf ganha por lĆ”, ou os homens do Maluf ou, enfim, o populismo mais reles, mais velhaco, nĆ£o Ć©? EntĆ£o, Ć© isso.

Maria Bonomi: Mino, vocĆŖ Ć© pintor, nĆ£o Ć©? Eu estou aqui por causa disso, porque o resto passa, viu? Toda essa histĆ³ria... A grande alegria de ler ā€œfui jornalista por causa do Brasilā€. EntĆ£o, nessa altura, Mino, que estava tendo um sucesso forte, jovem pintor Carlo CarrĆ  [(1881-1966) pintor italiano, considerado fundador do futurismo], Sironi [MĆ”rio Sironi (1885-1961), pintor italiano modernista, grande nome do futurismo], estavam olhando para o Mino na ItĆ”lia. Ele tinha ganhado prĆŖmios na ItĆ”lia importantes de pinturas, estava surgindo e, de repente, ele vem para cĆ”, decisĆ£o de vida, de sobrevivĆŖncia e, de repente, SĆ©rgio Milliet [SĆ©rgio Milliet da Costa e Silva (1898-1966), crĆ­tico de arte, fundou a revista Cultura em 1925 com Oswald de Andrade e Afonso Schimidt; criou, junto com MĆ”rio de Andrade e Paulo Duarte, o Departamento de Cultura de SĆ£o Paulo], com quem ele priva, Portinari [CĆ¢ndido Portinari (1903-1962), pintor modernista de maior repercussĆ£o mundial], Rebolo [Francisco Rebolo Gonsales (1902-1980), pintor paulitano modernista de grande participaĆ§Ć£o na promoĆ§Ć£o do movimento artĆ­stico na cidade, tendo sido um dos fundadores do MAM - Museu de Arte Moderna de SĆ£o Paulo], toda essa gente, vocĆŖ teve como interlocutores o Pietro Maria Bardi, [(1900-1999) nascido na ItĆ”lia, fez carreira no Brasil como jornalista, historiador e expositor de arte, tendo sido fundador, ao lado de Assis Chateuabriand, do Masp], o Jacob Klintowitz [jornalista e crĆ­tico de arte brasileiro]...

Mino Carta: Que, aliĆ”s, estĆ” no livro! O Bardi estĆ” no livro e Ć© um dos herĆ³is do livro, Ć© o professor.

Maria Bonomi: Pois Ć©, e vocĆŖ teve grandes interlocutores.

Mino Carta: Sem dĆŗvida.

Maria Bonomi: O Bardi, o Klintowitz, enfim, toda esta parte das artes plĆ”sticas te brindou com pessoas que te respeitam muito, te respeitavam e que criaram com vocĆŖ um tecido inexpugnĆ”vel, que foi justificativa de vocĆŖ ter estado neste paĆ­s, enquanto aquele outro setor era um setor que nĆ£o soube apreciar, talvez, ou vai apreciar daqui cem anos - visto que a data Ć© essa, que foi estabelecida [Carta ri]. O fato [Ć©] que vocĆŖ nunca fez concessƵes, nunca; sempre teve uma grande lucidez, uma grande coerĆŖncia, e talvez fosse um homem moderno, adiante do seu tempo. EntĆ£o, de repente, vocĆŖ estava lidando com pessoas cuja origem eram as capitanias, nĆ£o Ć©? Eu acho que aĆ­ Ć© que acontece o problema, nĆ£o Ć© em 1964. O Brasil se dividiu entre pessoas que ganharam as terras e que lutaram pelas terras. Os italianos imigrantes eram pessoas que nĆ£o tinham tido capitanias e os outros imigrantes tambĆ©m. Este Ć© o grande divisor de Ć”guas. VocĆŖ continuou pintando, vocĆŖ tem uma carreira de artista considerĆ”vel, exposiƧƵes de sucesso, e eu ia te perguntar uma coisa que eu vivo pessoalmente muito forte, depois vocĆŖ vai me responder por que essa situaĆ§Ć£o de dolore mezzo gaio [dor meio alegre]. VocĆŖ sabe que existem tambĆ©m os patrƵes da arte, vocĆŖ sabe que existem tambĆ©m os patrƵes da cultura e, como tudo passa pela arte, pela cultura e pela educaĆ§Ć£o, o resto se torna impossĆ­vel. Depois vem o jornalismo, a polĆ­tica... Eu estava lendo Paul Virilio agora, 1977, Velocidade e polĆ­tica, Ć© um livro fantĆ”stico. Tudo isso estĆ” lĆ” atrĆ”s, estĆ” matado e, de repente, eu vejo vocĆŖ aqui hoje se debatendo com questƵes que deveriam pertencer ao passado. Eu nĆ£o entendo como um patrĆ£o de um museu usa o museu para fins pessoais, e como um patrĆ£o de um jornal ou revista faƧa a mesma coisa. EntĆ£o, essa Ć© uma tendĆŖncia que existe em todos os setores. VocĆŖ luta contra isso numa Ć”rea, eu em outra; a trincheira Ć© a mesma.

Mino Carta: Ɖ verdade.

Maria Bonomi: Mas hĆ” pessoas tĆ£o inteligentes, inclusive eu faƧo aqui um... HĆ” patrƵes que souberam que nĆ£o era por aĆ­ e que lutaram do lado da verdade, porque discussĆ£o aqui Ć©: a verdade ou a mentira. Quando vocĆŖ faz um trabalho jornalĆ­stico, e ele Ć© verdadeiro, e cai no vazio... como vocĆŖ disse, nĆ³s fazemos um trabalho cultural todo dia e cai no vazio tambĆ©m. EntĆ£o, essa questĆ£o que eu queria te perguntar. Essa generalidade de comportamento, essa linguagem comum, esses hĆ”bitos comuns: como vocĆŖ sente, como vocĆŖ pressente o espaƧo que Ć© dado ao jornalista, que pode escrever - e, no fim, eu vejo que vocĆŖ nĆ£o pode escrever o que vocĆŖ pensa, porque vocĆŖ incomoda. VocĆŖ sempre pintou o que quis pintar, alguĆ©m te incomodou?

Mino Carta: [Risos] NĆ£o, nĆ£o me incomodaram como pintor. Agora, como jornalista tambĆ©m eu sempre fiz o que eu achei que deveria fazer, e quando nĆ£o deu para fazer mais, tirei o time de campo. Mas acho que hĆ” outros, hĆ” outros que fazem isso. O Paulo Henrique [Amorim], por exemplo, que estĆ” na minha frente, ele inclusive tinha um programa excelente na televisĆ£o, de informaĆ§Ć£o, um programa diĆ”rio, importante e o perdeu, nĆ£o Ć©? Agora estĆ” fazendo isso aqui na Cultura, graƧas ao bom Deus ou nĆ£o sei a quem! [Close em Amorim rindo] Todos aqui se esforƧam para fazer o seu serviƧo dignamente, e hĆ” outros em vĆ”rios cantos, tirando, digamos... Carta Capital Ć© uma coisa bastante compacta, como de resto a Bundas. SĆ£o coisas que o Ć³rgĆ£o estĆ” tomando uma posiĆ§Ć£o. Caros Amigos Ć© outra publicaĆ§Ć£o, cada um a seu modo, mas Ć© gente que exercita o espĆ­rito crĆ­tico e fiscaliza o poder. Agora, vocĆŖ tem muitos colunistas, vocĆŖ tem articulistas, vĆ”rios lugares, vocĆŖ tem Ć s vezes economistas, professores de universidades que escrevem nos jornais, artigos crĆ­ticos, artigos fortes, artigos que tĆŖm peso, nĆ£o Ć©? Agora, quando vocĆŖ se refere aos patrƵes da cultura, vocĆŖ se refere em geral aos donos do poder. SĆ£o todos iguais, eu tive uma lida difĆ­cil, Ć s vezes atĆ© dolorosa, com os patrƵes da imprensa, porque eu tinha amizade por eles eventualmente, entende? E aĆ­ o choque foi muito desagradĆ”vel.

Maria Bonomi: VocĆŖ nĆ£o acha que era quase um problema de conversĆ£o? Porque eu dediquei muitos anos Ć  conversĆ£o, eu faƧo um trabalho de catequese na Ć”rea cultural [risos], das artes plĆ”sticas, permanente, me considero assim... uma freira, uma monja, eu vou lĆ”, convenƧo, faƧo. ƀs vezes, quase surge um espaƧo para a gente, uma correspondĆŖncia. Eu estou, no momento, atĆ© profundamente encantada com um jornalista que Ć© um crĆ­tico de artes, o Daniel Piza, porque eu estou sentindo que ele vai passar por tudo aquilo que o Mino passou, que tanta gente passou, porque ele enveredou pela verdade assim batido, ele estĆ” indo, ele estĆ” indo, estou esperando sĆ³ para ver o tiro...

Reinaldo Azevedo: Mino, na verdade Ć© geralmente as pessoas que concordam com a gente ou existe uma verdade neutra, na sua opiniĆ£o? Ɖ uma pergunta mesmo, eu sei, um pouco profunda demais, talvez, mas... [Risos]

Mino Carta: Ɖ profunda.

Reinaldo Azevedo: Geralmente nĆ£o Ć© verdade que quem concorda com gente, nĆ£o... se sĆ£o feita a matemĆ”tica e olhe lĆ”... aritmĆ©tica?

Mino Carta: Ɖ uma pergunta profunda. Eu acho que existe uma coisa que se chama verdade factual e essa Ć© indiscutĆ­vel, nĆ£o hĆ” o que discutir. VocĆŖ estĆ” tomando Ć”gua e este Ć© um copo, vocĆŖ estĆ” usando gravata, entende? EntĆ£o, isso Ć© verdade factual e a verdade factual nĆ£o se discute. Agora, o jornalista tem que ter essa fidelidade canina em relaĆ§Ć£o Ć  verdade factual, ao meu ver. Agora, no mais, exigir do jornalista a objetividade, para mim sempre foi uma besteira...

Reinaldo Azevedo: VocĆŖ se diz gramsciano...

Mino Carta: VocĆŖ tem que exigir do jornalista honestidade.

Reinaldo Azevedo: VocĆŖ se diz gramsciano, vocĆŖ acha que o Gramsci, lĆ” no cĆ”rcere, escrevendo e tal, diria que os patrƵes sĆ£o todos iguais ou ele imaginaria uma tentativa de sair disso que acaba se constituindo... um dilema, nĆ£o Ć©? Porque se eles estĆ£o do lado de cĆ” e sĆ£o todos iguais, nĆ³s estamos do lado de lĆ” e tambĆ©m somos, em princĆ­pio, todos iguais, nĆ£o somos eles.

Mino Carta: Eu nĆ£o acho que patrƵes sĆ£o todos iguais e, como eu disse, eu tive, por exemplo, Ć³tima relaĆ§Ć£o com os senhores Mesquita, no Estado, era uma relaĆ§Ć£o muito nĆ­tida, muito clara, eu tinha uma autonomia tĆ©cnica total, fiz realmente o que bem entendi. Mas a opiniĆ£o era deles, nĆ£o era minha. Eu poderia discordar Ć  vontade nos papos extra-jornal, no bar e tal, mas no jornal quem decidia eram eles. Depois eu tive grande amizade pelo Domingo Alzugaray, fomos amissĆ­ssimos, fizemos a IstoƉ juntos. Quer dizer, eu cuidava da parte editorial, ele cuidava da parte administrativa, financeira.

TĆ£o Gomes Pinto: Garbos Chaves [personagem do livro que representa Domingo Alzugaray]?

Mino Carta: Garbos Chaves. Me dizem que ele estĆ” triste com meu livro, que nĆ£o gostou [risos], a julgar pelo... Mas olha, Ć© a tal histĆ³ria, o Garbos Chaves foi empurrando para fora, entende? Da revista. Ele queria que eu saĆ­sse quando, ele deu uma entrevista para, para...

TĆ£o Gomes Pinto: Para a revista Imprensa.

Mino Carta: Para a revista Imprensa.

TĆ£o Gomes Pinto: Jornalistas.

Mino Carta: Jornalistas, em que ele falava da IstoƉ sem me citar em nenhum momento. Uma entrevista grande, fluvial, em que ele afirmava os planos dele e tal: "PĆ”, farei isso, a IstoƉ vai por aqui e tal...". Era um recado clarĆ­ssimo, todo mundo me disse: "Olha, estĆ” te dando um recado, vocĆŖ estĆ” fora desta revista, jĆ” estĆ” saindo". Se nĆ£o me engano era abril, maio, de 1993.

TĆ£o Gomes Pinto: Mino, eu queria...

Mino Carta: Quando eu cheguei a ele, ao cabo de muitos empurrƵes, e disse a ele: "Olha, Domingo, assim nĆ£o dĆ”, eu vou embora, tudo bem, nĆ£o tem problema", ele aceitou na hora, nĆ£o esboƧou um mĆ­nimo gesto! [Risos] Agora, vamos e venhamos, eu fiz grandes bobagens em relaĆ§Ć£o Ć  IstoƉ, porque quando eu cismei com o Jornal da RepĆŗblica e convenci o Domingo a fazer o Jornal da RepĆŗblica e demos com os burros nĀ“Ć”gua rapidamente, por, eu acho, erros de ambos, porque ele nĆ£o tinha calculado que a reaĆ§Ć£o seria aquela, ele pensou que o Jornal da RepĆŗblica teria o mesmo ĆŖxito que IstoƉ tinha tido e, depois, verificamos que nĆ£o era assim, ele veio a mim e disse: "Vamos fechar este negĆ³cio". E disse: "NĆ£o, nĆ£o, vamos...". A certa altura eu disse: "NĆ£o, nĆ£o, entĆ£o eu vou embora e te vendo a minha parte". E fizemos promissĆ³rias que depois ele, com incrĆ­vel generosidade, rasgou e jogou fora, anos depois. Quando eu voltei Ć  IstoƉ... que, aliĆ”s, quando eu fui trabalhar com ele na Senhor, que ele transformava de mensal em semanal e queria a mim para dirigir a semanal, ele me disse: "Olha, patrĆ£o, vocĆŖ, nunca mais! VocĆŖ vai ser meu empregado". Eu achei perfeito, ele estava certo, porque eu realmente sou um desastre como empresĆ”rio, entende? E a culpa de termos perdido a IstoƉ foi minha, e o MercĆŗcio Parla diz: "Perdemos essa e essa..."

Reinaldo Azevedo: VocĆŖ acha que Ć© fĆ”cil ser seu patrĆ£o, Mino? [Risos]

Mino Carta: NĆ£o, nĆ£o sei, mas com o Domingo a relaĆ§Ć£o...

Reinaldo Azevedo: Ɖ por aƭ que eu quero ir.

Mino Carta: Com o Domingo a nossa relaĆ§Ć£o era excelente. Agora, eu nĆ£o entendo como Ć© que ele ficou chateado comigo. Agora, realmente...

[Falam simultaneamente]

Reinaldo Azevedo: Quem Ć© patrĆ£o de Mino Carta, como Ć© que faz?

Mino Carta: Deixa eu concluir.

Ziraldo: Eu nĆ£o queria ser! [Risos]

Mino Carta: Deixa eu concluir, eu nĆ£o contei nada inventado, o Domingo tinha um projeto para a editora dele, mais do que legĆ­timo, ele queria fazer uma grande empresa. E fez, ele queria, esse era o projeto dele. Ele queria tambĆ©m uma televisĆ£o, talvez rĆ”dio, enfim, essas coisas, que...

Paulo Henrique Amorim: Mino, vamos tentar... deixa eu trazer vocĆŖ um pouco para o...

Mino Carta: NĆ£o, mas eu quero concluir essa parte, se vocĆŖ mo permite.

Paulo Henrique Amorim: Pois nĆ£o, pois nĆ£o, claro.

Mino Carta: "Mo permite" Ć© boa! [Risos]

Paulo Henrique Amorim: Mo permite...

Reinaldo Azevedo: FinĆ­ssima lĆ­ngua portuguesa.

Paulo Henrique Amorim: Estamos em Machado [de Assis].

Ziraldo: Ele Ć© doido por Machado.

Mino Carta: Eu nĆ£o inventei nada! Agora, na hora que eu vou contar a vida do MercĆŗcio Parla eu devo contar isso, entende? Porque realmente foi uma coisa muito dolorosa e a IstoƉ, vamos e venhamos...

Reinaldo Azevedo: Porque nĆ£o damos o nome real das pessoas, jĆ” que estĆ” todo mundo...

Mino Carta: ... quem a fez fui eu, eu e uma equipe. AliĆ”s, eu nĆ£o me canso de repetir que jornalismo Ć© um trabalho de equipe.

[Falam simultaneamente]

Ziraldo: Por que vocĆŖ fez a Clefe, esse romance... VocĆŖ adora quem descubra... o Richard Bitter - o Carlos, seu amigo, Carlos Richard Bitter, que deu com o maior cuidado, mandou atĆ© uma listinha para mim [erguendo as folhas de papel que portava].

Mino Carta: Que aliƔs estƔ no livro.

Ziraldo: Ele mandou com todos... quer dizer, vocĆŖ fica fascinado quando as pessoas descobrem! EntĆ£o, por que vocĆŖ nĆ£o... Porque tem uma coisa, eu quero falar sobre vocĆŖ, eu digo o seguinte: vocĆŖ escrevendo esse romance, tem o que vocĆŖ chama de conto, Ć© uma reportagem, vocĆŖ conta sobre toda a sua passagem pela Veja e toda sua relaĆ§Ć£o com os Civita...

Mino Carta: Sim.

Ziraldo: EntĆ£o, eu, o que eu queria falar com vocĆŖ sobre vocĆŖ Ć© isso. Por exemplo, eu li, eu nĆ£o acabei de ler seu romance ainda, estĆ” difĆ­cil de atravessar ele, eu falei para vocĆŖ que o conto eu gosto mais, porque Ć© nĆ£o literĆ”rio [risos]. EntĆ£o, por exemplo, vocĆŖ adora... eu gosto de ver vocĆŖ falar, essa coisa corrente de se falar, usar bem os adjetivos, mas vocĆŖ acha que tem duas maneiras diferentes de escrever. Por exemplo, sĆ³ aqui [lendo texto que trouxera em uma folha avulsa]: ā€œDona Camomila foi por 25 anos secretĆ”ria fiel e competente de Parla, e desenvolveu por ele uma admiraĆ§Ć£o sem limitesā€. Isso Ć© como vocĆŖ escreve o conto. Olha como Ć© que vocĆŖ escreve o romance [lendo trecho do livro]: ā€œDona Camila foi de Parla secretĆ”ria fiel e competente por 25 anos e por ele desenvolveu...". VocĆŖ faz estilo! Quer dizer, existem duas maneiras de escrever? Existe uma maneira literĆ”ria de escrever?

Mino Carta: NĆ£o, veja...

Ziraldo: Quer me explicar, Mino?

Mino Carta: Olha, a tua opiniĆ£o eu respeito muito, agora eu vou explicar porque eu quis realmente usar trĆŖs estilos diferentes, na verdade: o estilo do advogado, o estilo desse jornalista que quer escrever... [movimenta as mĆ£os no ar como a expressar algo rebuscado]

[...]: MercĆŗcio.

Mino Carta: E o contrĆ”rio, exatamente o conto, porque o conto Ć©, digamos, nĆ£o Ć© a ficĆ§Ć£o... mas a ficĆ§Ć£o escrita com estilo jornalĆ­stico, seco.

Ziraldo: EntĆ£o, vocĆŖ nĆ£o tem pretensƵes literĆ”rias, de ser um escritor?

Mino Carta: NĆ£o, nĆ£o. Eu acho que a lĆ­ngua tem que ser usada, acho que a lĆ­ngua portuguesa...

Maria Bonomi: Eu achei que era um grande roteiro de cinema, viu? [close em Carta rindo] Do jeito que estĆ” escrito aqui... Ɖ, totalmente visualizĆ”vel como um filme...

Ziraldo: Espera aĆ­, vocĆŖ nĆ£o respondeu minha pergunta, Mino!

Mino Carta: Eu escrevi com trĆŖs estilos diferentes. Quis escrever, se consegui isso, acho Ć³timo, porque era o intuito.

Ziraldo: Ɖ um exercƭcio mesmo, no romance?

Mino Carta: Sim. Agora, me influenciou muito quando lia, porque te confesso que leio muito pouco hoje em dia. Mas quando eu lia me influenciou muito a literatura inglesa, por exemplo, Laurence Sterne, Dickens... sĆ£o autores ricos, nĆ£o Ć©? Machado era um autor maravilhoso.

Ziraldo: Eu tambƩm acho.

Mino Carta: Desculpe, Ć© uma linguagem riquĆ­ssima.

TĆ£o Gomes Pinto: Mas Mino, mesmo a parte ficcional do seu trabalho, era toda ela calcada na realidade.

Mino Carta: Sim, calcada na realidade, com algumas fusƵes de personagens, entende? A minha histĆ³ria no Arauto, por exemplo, funde minhas experiĆŖncia com as experiĆŖncias do meu pai, que nĆ£o era um ex-professor de histĆ³ria de arte.

Ziraldo: Pois Ć©, escuta aqui, nĆ£o era nĆ£o?

Mino Carta: Era jornalista.

Ziraldo: O negĆ³cio Ć© o seguinte, vocĆŖ fala do seu pai com uma grande admiraĆ§Ć£o.

Mino Carta: Ɖ lĆ³gico.

Ziraldo: Um carinho imenso por ele e tal... na entrevista que vocĆŖ deu para nĆ³s isso transparece pelo que eu conheƧo vocĆŖ e, no entanto, poucas pessoas querem ser seu patrĆ£o ou querem ser seu pai, quer dizer, o que vocĆŖ tem contra a figura do cara que estĆ” sobre vocĆŖ? VocĆŖ jĆ” fez uma anĆ”lise para saber se vocĆŖ estĆ” brigando com seu pai quando vocĆŖ briga com seus patrƵes todos? [Risos]

Mino Carta: VocĆŖ nĆ£o acha que essa Ć© a soluĆ§Ć£o mais fĆ”cil, aĆ­ e tal...? [Risos]

Ziraldo: Freud americano. Freud para americanos!

Mino Carta: Eu acho, assim... acho porque, como vocĆŖ bem disse, eu sou um conjunto de dĆŗvidas que anda sobre duas pernas.

Ziraldo: GraƧas a Deus!

Mino Carta: Sim, mas eu sou mesmo. EntĆ£o, eu nĆ£o tenho tantas certezas para afirmar coisas nesse campo para afirmar isso ou aquilo. Mas eu, em princĆ­pio, acho que tenho uma confianƧa espontĆ¢nea no meu interlocutor. E eu, em princĆ­pio sou a favor do meu interlocutor.

Reinaldo Azevedo: VocĆŖ jĆ” fez anĆ”lise Mino, se Ć© que vocĆŖ pode falar?

Mino Carta: Sim, fiz um pouco de anƔlise, muito superficialmente a bem da verdade, mas...

Paulo Henrique Amorim: Mino, se vocĆŖ pudesse dizer para um jovem que estĆ” tentando comeƧar a vida, vocĆŖ diria que deveria ser jornalista?

Maria Bonomi: Ou pintor?

Ziraldo: No Brasil... [risos] qual Ć© o mais importante?

Mino Carta: No Brasil, [seria] muito bom se ele tivesse chance de independĆŖncia, nĆ£o Ć©? Se ele tivesse, por exemplo, sei lĆ”, digamos, Dora Kramer, uma coluna na qual ela escreve o que bem entende, por exemplo. AĆ­ eu acho bom ser jornalista.

TĆ£o Gomes Pinto: Uma coisa que me perguntam muito...

Mino Carta: Ou pelo menos que esse pudesse ser o objetivo de vida, porque nĆ£o Ć© uma coisa que se consegue no momento em que vocĆŖ comeƧa a trabalhar em jornalismo.

TĆ£o Gomes Pinto: Uma coisa que estudantes de jornalismo me perguntam muito, agora que eu estou na revista Imprensa, Ć© se eu jĆ” escrevi muitas vezes coisas forƧadas, contra minha opiniĆ£o. Eu digo: "nunca escrevi, nunca escrevi nada contra minha opiniĆ£o".

Mino Carta: Sim.

TĆ£o Gomes Pinto: AĆ­ eu acho que nenhum jornalista escreve contra a sua opiniĆ£o na verdade, nĆ£o Ć©?

Paulo Henrique Amorim: NĆ£o, espere aĆ­, TĆ£o. Eu fui editorialista e discordei de um monte de coisas que eu escrevi.

Ziraldo: Ɖ, muita gente boa Ć© editorialista...

Reinaldo Azevedo: Mas vocĆŖ assinava?

Paulo Henrique Amorim: NĆ£o assinava, editorialista nĆ£o assina!

Ziraldo: Know-how, know-how.

Paulo Henrique Amorim: Vamos nos prender aqui Ć  tĆ©cnica da profissĆ£o: editorialista nĆ£o assina. EstĆ” certo?

Reinaldo Azevedo: Sim, eu sei que nĆ£o assina, por isso que perguntei.

Paulo Henrique Amorim: JĆ” tratamos de questƵes tĆ©cnicas antes, voltamos, editorialista nĆ£o assina.

Ziraldo: NĆ£o Ć© a opiniĆ£o dele, ele estĆ” prestando um serviƧo.

Paulo Henrique Amorim: Claro, eu jĆ” escrevi um monte de coisas com as quais eu nĆ£o concordo.

TĆ£o Gomes Pinto: Agora, eu nunca... eu nĆ£o me lembro de ter escrito nada...

Mino Carta: A diferenƧa entre assinar e nĆ£o assinar Ć© fatal. VocĆŖ pode ser um ghost-writer [escritor-fantasma] e vocĆŖ escreve o que o cara quer. Agora, outra coisa quando vocĆŖ pƵe o teu nome embaixo.

Ziraldo: Mino, a pergunta para eu terminar minhas perguntas a vocĆŖ Ć© a seguinte: eu concordo com o TĆ£o e acho tambĆ©m que qualquer um dos 31 jornalistas que nĆ£o quiseram vir aqui hoje, na classe, na categoria, entre nĆ³s todos aqui, a colocaĆ§Ć£o que o TĆ£o dĆ” a vocĆŖ Ć© perfeita, vocĆŖ Ć© um dos maiores jornalistas deste paĆ­s. Agora, como vocĆŖ nunca quis ser patrĆ£o, como vocĆŖ nunca quis ficar rico, como vocĆŖ nunca quis fazer uma empresa de televisĆ£o, como vocĆŖ falou agora do nosso querido Alzugaray, eu te pergunto: por que vocĆŖ, que Ć© um homem realizado, escolheu - essa pergunta Ć© da Daniela, minha filha - por que vocĆŖ resolveu escrever um "romance-vinganƧa"?

Mino Carta: Mas nĆ£o Ć© vinganƧa, nĆ£o Ć© vinganƧa.

Ziraldo: Por que vocĆŖ escreveu este romance, precisava?

Mino Carta: Precisava... [em tom de indignaĆ§Ć£o] O que...

Maria Bonomi: SĆ³ ele podia escrever! Gente, estamos esquecendo da verdade. NinguĆ©m... Ć© aquela histĆ³ria que ele falou...

Mino Carta: NĆ£o, hĆ” tempo alguĆ©m dizia: "Escreve um livro de memĆ³rias, escreve um livro de memĆ³rias". Eu disse: "NĆ£o, eu nĆ£o vou escrever um livro de memĆ³rias. Mas por que nĆ£o escrever um romance?". Me tentou a idĆ©ia, acho atĆ© que vou voltar ao MercĆŗcio Parla, se eu tiver forƧas para tanto, porque estou comeƧando a escrever, comecei a escrever, aliĆ”s.

Ziraldo: VocĆŖ Ć© fascinado pelo MercĆŗcio Parla, nĆ£o Ć©?

Mino Carta: NĆ£o, MercĆŗcio Parla...

Ziraldo: Que Ć© vocĆŖ mesmo? EstĆ” aqui Ć³ [apontando para o livro aberto que tem em suas mĆ£os]...

Mino Carta: Imagina, MercĆŗcio Parla sou eu.

Ziraldo: Dona Camomila... sabe o que dona Camomila fala do MercĆŗcio Parla que vocĆŖ escreve?

Mino Carta: Sim.

Ziraldo: "Isso aqui Ć© a histĆ³ria de um homem extraordinĆ”rio!". [Risos]

Reinaldo Azevedo: Quem Ć© dona Camomila?

Ziraldo: A personagem, quando entrega os originais para o...

Mino Carta: Esta Ć© a Camomila, mas veja...

Ziraldo: O escritor chama MercĆŗcio Parla de figura extraordinĆ”ria.

TĆ£o Gomes Pinto: Eu li esse livro tentando decifrar vĆ”rios nomes aĆ­...

Mino Carta: Sim, a Camomila Ć© fascinada, provavelmente atĆ© um pouco apaixonada pelo MercĆŗcio Parla. [Risos]

Paulo Henrique Amorim: Mas o Richard fez a lista, depois a gente vai...

TĆ£o Gomes Pinto: Mas eu queria sĆ³ observar o seguinte: esse livro nĆ£o me pareceu livro de vinganƧa nĆ£o, esse livro me pareceu um livro saĆ­do do fundo da alma.

Mino Carta: Ɖ isso.

TĆ£o Gomes Pinto: Do fundo da alma de um homem que estĆ” caminhando cada vez mais sĆ³.

Mino Carta: Ɖ isso.

TĆ£o Gomes Pinto: Ɖ... mas nĆ£o desiste.

Ziraldo: Mas ele Ć© um vitorioso! VocĆŖ nĆ£o Ć© um vitorioso, Mino?

TĆ£o Gomes Pinto: Ele Ć© um vitorioso.

Mino Carta: Eu sou um derrotado.

Ziraldo: Pelo amor de Deus! UĆ©?

Mino Carta: Eu perdi todas as batalhas, mas isso me honra.

Ziraldo: Mas perder batalha Ć© ganhar a vida.

Mino Carta: Eu nĆ£o gosto, eu nĆ£o gosto de ser o demĆ“nio em Ćŗltima anĆ”lise, eu nĆ£o gosto de causar medo.

Ziraldo: VocĆŖ Ć© um vitorioso Mino, pelo amor de Deus!

Reinaldo Azevedo: Mas ninguĆ©m se convence disso Mino, por quĆŖ? Soa sempre, quase uma coisa, um estilo... desculpe, parece cantar em falsete. VocĆŖ criou as maiores revistas do Brasil...

Mino Carta: NĆ£o, criei nĆ£o.

Reinaldo Azevedo: Ou ajudou a criar.

Mino Carta: Comandei as relaƧƵes que faziam isso.

Reinaldo Azevedo: Diz que teve poder sobre elas, vocĆŖ diz: "Sempre tive poder, quando nĆ£o tinha mais, caĆ­a fora".

Mino Carta: Sim.

Reinaldo Azevedo: Hoje continua comandante absoluto.

Mino Carta: Olha, do Estado eu nĆ£o saĆ­ porque nĆ£o podia mandar, do Estado eu saĆ­ porque veio a Abril com uma proposta muito tentadora, mas nĆ£o tanto...

Reinaldo Azevedo: Continua comandante absoluto de uma revista. Eu vou voltar Ć  minha questĆ£o do inĆ­cio porque fica parecendo assim: nunca uma vĆ­tima foi tĆ£o poderosa, tĆ£o feliz, tĆ£o triunfante.

TĆ£o Gomes Pinto: E nunca perdoou... VocĆŖ, no fundo, vocĆŖ perdoa as pessoas nesse livro, MercĆŗcio perdoa as pessoas.

Mino Carta: Sim.

Reinaldo Azevedo: Algumas, nĆ£o Ć©?

Ziraldo: Ɖ.

Mino Carta: NĆ£o todas. [Risos]

Ziraldo: Bob Civita Ć© perdoadĆ­ssimo, ele ainda conta que deu um soco no carro...

Mino Carta: NĆ£o, nĆ£o, veja... Eu nĆ£o perdĆ“o, nem absolvo, nem condeno vĆ”rias, vĆ”rias... O Roberto Civita eu realmente nĆ£o perdĆ“o. Este eu nĆ£o perdĆ“o porque...

Reinaldo Azevedo: E nem ele a vocĆŖ por causa dos murros que vocĆŖ deu no carro dele.

Mino Carta: NĆ£o sei se ele me perdoa.

Ziraldo: AliĆ”s, aquele negĆ³cio foi o pior negĆ³cio da sua vida, Mino, aquele soquinho em cima do carro. Fiquei triste... [Risos]

Mino Carta: Mas essa Ć© uma versĆ£o sua, uma tentativa...

Ziraldo: Ele ficou dando socos em cima do carro do homem [dando socos no ar, para baixo, com as duas mĆ£os simultaneamente].

Mino Carta: Essa Ć© uma tentativa...

Ziraldo: E ainda cuspiu no pƔra-brisa! [Risos]

Mino Carta: Desculpe, tudo bem, mas...

Ziraldo: EstĆ” lĆ”, vocĆŖ contou.

Mino Carta: VocĆŖ estĆ” fazendo um gesto que indicaria, nĆ£o sei, tendĆŖncia estranhas [risos].

Reinaldo Azevedo: Ɖ coisa...

Mino Carta: Eu bati com a direita, sĆ³! [DĆ” um soco no ar, para baixo, com a mĆ£o direita]

Ziraldo: Ah! NĆ£o foi com as duas, assim, nĆ£o? [Repetindo o gesto com as duas mĆ£os. Risos]

Mino Carta: NĆ£o, nĆ£o, isso Ć© o que vocĆŖ gostaria que eu tivesse feito. [Risos]

Paulo Markun: Mino Carta. NĆ³s estamos chegando ao final do programa, mas eu queria colocar uma Ćŗltima pergunta na qual vocĆŖ pudesse... normalmente a Ćŗltima pergunta Ć© um fechinho rĆ”pido, mas dĆ” para a gente ter aĆ­ mais uns dois minutinhos para esta Ćŗltima questĆ£o. ClĆ”udio Abramo que vocĆŖ menciona no livro ao lado do saudoso Paulo Duarte...

Mino Carta: Sim.

Paulo Markun: Cujo codinome eu me esqueci agora.

Mino Carta: JoĆ£o da Lua.

Paulo Markun: JoĆ£o da Lua. Exatamente. Que foi uma figura que tive a felicidade de conhecer, trabalhou no EstadĆ£o, foi um grande intelectual, um grande jornalista.

Mino Carta: Sim.

Paulo Markun: Coisa fantƔstica!

Mino Carta: Sim.

Paulo Markun: Fez um livro, quer dizer, foi feito um livro com o trabalho dele, chamado A regra do jogo.

Mino Carta: Do ClƔudio.

Paulo Markun: Do ClĆ”udio Abramo, que vocĆŖ faz o prefĆ”cio, nĆ£o Ć© isso?

Mino Carta: Sim.

Paulo Markun: Aonde ele estabelece um raciocĆ­nio sobre justamente qual Ć© a regra desse jogo que nĆ³s jornalistas temos que praticar. E ele fala sobre a Ć©tica e diz que a regra do jogo Ć© essa, que a gente tem que jogar dentro desse jogo respeitando alguns limites.

Mino Carta: Sim.

Paulo Markun: A partir dos quais, como vocĆŖ mesmo disse, tiramos o time de campo.

Mino Carta: Certo.

Paulo Markun: Queria que vocĆŖ dissesse se Ć© possĆ­vel jogar dentro dessa regra e participar desse jogo dentro das regras, mesmo nĆ£o tendo a competĆŖncia e a trajetĆ³ria do Mino Carta.

Mino Carta: Bem... A pergunta que vocĆŖ me faz, implica, enfim, para poder realizar o que vocĆŖ diz seria preciso mudar muita coisa no paĆ­s. Quer dizer, mudar a estrutura do poder, mudar a concepĆ§Ć£o do poder. E portanto mudar tambĆ©m, de alguma maneira, a concepĆ§Ć£o que os patrƵes tĆŖm dos prĆ³prios Ć³rgĆ£os que eles publicam para poder realmente garantir a todos indistintamente. Eu tive muita sorte na minha vida de jornalista, porque estava no lugar certo na hora certa. E olha, Ć© verdade o que eu digo no sentido de que eu nĆ£o acho que tenho tĆ£o grande talento, eu tive sorte, eu estava lĆ”, nĆ£o sou de tudo idiota, e me saĆ­ bem. Agora, eu acho que, eu acho que na prĆ”tica correta, implica obediĆŖncia a trĆŖs preceitos bĆ”sicos, nĆ£o Ć©? A fidelidade Ć  verdade factual, um exercĆ­cio do espĆ­rito crĆ­tico e a fiscalizaĆ§Ć£o do poder. Se vocĆŖ nĆ£o fizer isso, eu acho que o jornalismo nĆ£o tem sentido, o jornalismo como um jornalismo polĆ­tico, digamos - nĆ£o estou falando necessariamente do jornalismo da Marie Claire, estou falando de um jornalismo polĆ­tico, com implicaƧƵes polĆ­ticas, com envolvimentos polĆ­ticos, este nĆ£o se realiza dessa maneira. Por outro lado, dentro da moldura de uma intenĆ§Ć£o profunda que Ć© iluminar o pĆŗblico, elevar o pĆŗblico, nivelar por cima, nĆ£o nivelar por baixo, neste paĆ­s nĆ³s devemos procurar elevar as pessoas. NĆ£o baixĆ”-las, nĆ£o secundar a ignorĆ¢ncia. Entende? NĆ£o criar um pĆŗblico que se farta de frases feitas, de atĆ© de um palavreado composto por umas vinte palavras que todos inevitavelmente repetem. Exaustivamente todos os dias vocĆŖ as ouvem todos os cantos, palavras sĆ£o as mesmas idĆ©ias, nĆ£o Ć©? Ɖ um pouco, Ć© a tal teoria da, teoria do medalhĆ£o, nĆ£o Ć©?, que Ć© isso aĆ­. Agora, sabe, eu tive, como te digo, sorte, entĆ£o eu pude realmente fazer publicaƧƵes que nĆ£o dirigiam equipes, fazia publicaƧƵes que nĆ£o existiam antes de mim. O que tambĆ©m me permitiu nunca me entediar no exercĆ­cio da profissĆ£o, isso, esse ponto de vista foi muito bom, nĆ£o Ć©? E tambĆ©m pude me permitir sair quando as coisas estavam impossĆ­veis. Mas eu nĆ£o sei se isso Ć© possĆ­vel para todos os jornalistas. AliĆ”s, acredito que nĆ£o, tanto mais num lugar onde o diploma, o diploma na faculdade de jornalismo hoje em dia Ć© indispensĆ”vel, nĆ£o Ć©? EntĆ£o, formamos mirĆ­ades de jovens e sem que haja, na verdade, espaƧo para eles nas redaƧƵes existentes. EntĆ£o, isso Ć© um pouco, seria muita utopia desejar que isso fosse igual para todos. Foi felizmente para mim, mas ainda assim sou um perdedor, porque perdi todos os empregos!

Paulo Markun: Mas com certeza quem acompanhou esta entrevista atĆ© o final nĆ£o perdeu seu tempo, Mino. Obrigado pela sua entrevista, obrigado a quem estĆ” em casa. A gente volta na prĆ³xima segunda-feira Ć s dez e meia da noite. AtĆ© lĆ”.


Fonte: MemĆ³ria Roda Viva - Fapesp
[Via BBA]
Nome

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BrAcad: Mino Carta no Roda Viva
Mino Carta no Roda Viva
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BrAcad
https://minimal-war.blogspot.com/2013/06/mino-carta-no-roda-viva.html
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